“Presépio com algodãozinho de neve é ridículo”, diz padre Júlio Lancellotti
Padre faz café da manhã natalino para moradores de rua e reunirá rabino, pai de santo, pastor, sheik, monge e bruxa em 25 de dezembro
Pastoral do Povo da Rua realizará festa de Natal com representantes de várias religiões, dia 25 de dezembro. Trabalho do padre Júlio Lancellotti começa cedo com missa, café da manhã para o povo da rua, embates com a Guarda Civil Metropolitana e a gravação de vídeos com denúncias. Tudo antes dele tomar seu próprio café da manhã.
O padre Júlio Lancellotti desembarca na calçada da paróquia de São Miguel Arcanjo, na Mooca, em São Paulo, exatamente às 6h24. “Depois do café da manhã, estou à disposição”. Ele vai rezar a missa e depois servir o café da manhã natalino para pessoas em situação de rua. Nestes dias, o desjejum é especial, tem panetone.
A paróquia São Miguel Arcanjo é pequena, cabem 17 bancos. O padre é informal, apesar da austeridade tipicamente italiana, de fala forte e objetiva. Senta-se e conversa sem microfone com as 25 pessoas da missa. Depois iria enxugar a mão na toalha do altar.
“Se o menino Jesus passasse com a sua mãe em qualquer condomínio iluminado para o Natal, o segurança ia dar borrachada”. E continua: “Fui pegando uma certa ojeriza de enfeites natalinos. Presépio com algodãozinho de neve é ridículo”.
Terminada a missa de meia hora, o padre Júlio Lancellotti troca a batina pelo avental e, rodeado de auxiliares, atravessa e rua para iniciar a distribuição do café da manhã natalino. Pessoas estão à espera desde antes do dia amanhecer.
“Jesus veio para os pobres, como o padre fala”
O café da manhã tem pão, banana, vitamina e panetone. Rapidamente, cerca de 300 pessoas formam a fila. Mil pães são distribuídos, três para cada um. Panetones, divididos ao meio.
Na fila estão pessoas como Adailson de Oliveira Santos, 34 anos, de Belo Horizonte. Morando na rua, soube do trabalho do padre Júlio Lancellotti. Veio a pé para São Paulo, caminhando durante 12 dias.
“O trabalho dele é lindo demais. Venho aqui sempre, direto. Jesus veio para os pobres, como o padre fala”, diz Santos, há 14 anos em situação de rua.
Adilson Coppola, 55 anos, assistiu a missa do lado de fora e não entrou na fila do café da manhã. “De manhã eu bebo”, e mostra o corote de plástico dentro da mochila. Apesar de não participar diretamente, diz se sentir bem estando próximo.
Padre Júlio Lancellotti dispersa rapa da GCM
A distribuição do café da manhã é rápida, dura vinte minutos. Assim que acaba, um tumulto se forma na praça. Duas viaturas da Guarda Civil Metropolitana (GCM) estacionam, de ré, sobre a calçada. Chega um caminhão da prefeitura e dele descem garis que começam a recolher os pertences dos moradores.
Padre Júlio Lancellotti atravessa a rua filmando com o celular acaba com a ação imediatamente. Policiais, caminhão e carro de apoio vão embora. Em seguida, o padre grava outro vídeo, mostrando um homem com a perna enfaixada.
“Para tirar os pertences dos moradores de rua, vem um monte de gente, para socorrer este irmão, ninguém”. Atravessa novamente a rua, um homem passa mal, deitado na calçada. O padre telefona para a irmã da pessoa em situação de rua.
Medem a pressão do homem, o padre dá dinheiro para ele viajar de volta para casa, encontra quem o leve à rodoviária. Só então vai tomar café da manhã e concede entrevista. Passaram-se três horas desde que chegou e seu dia está só começando.