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Uma agrofloresta que dá poesia na zona leste de SP

Inspirado na mata que plantou no seu quintal, Anderson Maurício quer espalhar versos e plantas pelas quebradas da metrópole

12 ago 2022 - 15h31
(atualizado às 15h38)
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Foto: Daniel Arroyo

Nos fundos de uma casa no Jardim Romano, região do Itaim Paulista, no extremo da zona leste paulistana, um livro brotou do chão. Em meio a bananeiras, bambuzais, pés de tomate e uma série de hortaliças, foram concebidos os poemas e cantigas que estão em Oráculo da Missão, obra do multiartista Anderson Maurício, que usou a experiência de transformar seu quintal numa agrofloresta como base de inspiração para o seu primeiro trabalho literário.

O bairro onde o poeta mora com a mulher e seus dois filhos ganhou destaque no noticiário na virada entre os anos de 2009 e 2010. Naquele verão, o Jardim Romano foi uma das áreas mais afetadas pelas chuvas e ficou por quase um mês com ruas cobertas por água e lama. Além da falta de estrutura em saneamento básico, outro motivo para que o bairro vivesse esses momentos de calamidade foi o desequilíbrio ambiental.

Foto: Daniel Arroyo

Mesmo abrigando um terço da população do município, a Zona Leste conta com apenas 11% da área verde de São Paulo. Segundo dados de 2015 da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, o Itaim Paulista é a nona região menos arborizada da cidade, com apenas 2,1 km² de área verde para mais de 270 mil habitantes. Em comparação, o rico bairro do Alto de Pinheiros tem dois parques e 53 praças que melhoram o clima para cerca de 43 mil moradores que moram no local.

Na falta de iniciativa do poder público, Anderson Maurício decidiu ele mesmo a tentar mudar essa perspectiva na região, começando pela sua goma, hoje batizada de Casa Flor’Esta. Após uma imersão em estudos de conceitos de agrofloresta difundidos pelo suíço Ernest Gotsch, o artista viu que aquilo podia ser aplicado na sua residência e depois repassado para os vizinhos.

Foto: Daniel Arroyo

“Na periferia a gente sempre teve esse conceito de comunidade desde sempre, mas com o tempo isso foi se perdendo. A gente está buscando resgatar isso e levar essa ideia de agrofloresta para outros quintais”, afirma Anderson, que produz nos fundos da sua casa cerca de 215 pés de alface a cada dois meses e quase 15 cachos de banana.

“Claro que apenas eu e minha família não temos condições de consumir sozinhos todos esses alimentos, por isso vou fazendo uma política da boa vizinhança doando para pessoas que moram aqui na rua, porque esse também é um dos princípios do agroflorestamento, que tudo que vem da terra possa voltar para ela”, diz o artista.

Além de compartilhar o que produz com pessoas da comunidade, Anderson tem espalhado o conhecimento sobre o manejo da terra em pequenas áreas com outros moradores do local. Porém, uma das dificuldades é a nova organização arquitetônica e urbanística que existem nos bairros de periferia atualmente.

“É comum a gente encontrar casas com quintais grandes, mas cobertos por concreto ou cerâmica. As pessoas vêm na minha casa e percebem que é possível ter uma variedade grande de vegetais orgânicos dentro da própria casa e querem reproduzir isso nas suas residências”, conta.

Foto: Daniel Arroyo

Arte na feira

Como parte do projeto e para divulgar seu primeiro livro, Anderson, que é filho de feirantes e neto de carroceiros, leva a sua arte para feiras públicas da zona leste como forma de aproximar as pessoas do mundo das artes, o que para muitos moradores da região ainda é algo muito distante.“Eu fiquei impressionado fazendo essas intervenções. Tem gente que nunca tinha pegado em um livro na vida ou nunca o viram desta forma”

Nascido e criado no território, Anderson, que é formado em gestão cultural, tenta levar para a sua quebrada coisas que são mais comuns no centro e em bairros nobres de São Paulo, seja na arte ou na questão ambiental.  “As pessoas querem arte, querem morar em um lugar com mais árvores, elas só não têm acesso e, por isso, muitas vezes acham que não conseguem e que aquilo não é para elas”, afirma o artista.

Para Anderson Maurício, o fato desses temas terem maior circulação nos bairros mais nobres da cidade mexe até com a auto-estima das pessoas que moram na periferia. “Eu demorei muito para entender que eu já era gestor cultural mesmo antes de fazer o curso, porque eu já fazia várias coisas que vi lá. Da mesma forma, eu sou a primeira pessoa da minha família a publicar um livro. Você não tem noção da emoção que foi ver meu pai lendo o meu livro e declamando um poema meu”.

Foto: Daniel Arroyo

Com uma série de experiências dentro do teatro, incluindo encenar dentro de ônibus e em terminais rodoviários, o mergulho na literatura não foi um processo fácil para o ator e produtor. “É uma nova forma de arte. Diferente do teatro que você percebe a reação do público e se encerra após que a peça encerra, na literatura as pessoas levam o seu trabalho para casa e tem uma outra relação com aquilo e não temos como saber como foi recebido por cada leitor”, admite Anderson.

“Oráculo da Missão”, que teve um pré-lançamento no Jardim Romano no final do mês passado, será lançado oficialmente no dia 20 de agosto, na Ria Livraria, na Vila Madalena e estará na programação do Festival Literário Internacional de Poços de Caldas, o Flipoços. A obra tem ilustrações de Lucas Lopes e apresentação de Tatiane Lustosa.

Foto: Daniel Arroyo
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