Uma favela quer ficar e a outra quer sair do caminho de túnel em SP
Obra que pretende ligar as avenidas Sena Madureira e Ricardo Jafet, suspensa judicialmente, atravessa duas comunidades
A obra e o corte de árvores foram suspensos a pedido do Ministério Público de São Paulo. Mas o debate continua nas duas pequenas favelas: uma está em área pública, e a outra, pelo menos em parte, fica sobre terreno particular.
Embora parecidas em tamanho e quantidade de habitantes, as favelas Souza Ramos e Coronel Luís Alves, uma em cada lado da rua na Vila Mariana, zona sul de São Paulo, desejam futuros muito diferentes em relação à obra do túnel que pretende ligar as avenidas Sena Madureira e Ricardo Jafet.
Os moradores ouvidos pelo Visão do Corre na favela Souza Ramos, em área pública, querem regularizar a situação fundiária e permanecer em suas casas.
“Aqui a gente quer ficar, lá eles querem o dinheiro”, diz Laurenilda Maria dos Santos, 65 anos, referindo-se ao desejo de indenização dos moradores da favela do outro lado da rua.
Na comunidade Coronel Luís Alves, com pelo menos parte da área sobre terreno particular, os moradores ouvidos pela reportagem querem indenização a preço de mercado.
“Se a gente tiver que sair, teria que ser para coisa melhor. O valor que oferecem não dá para comprar nem um barraco em outra comunidade”, reclama Marisa Silva de Jesus, 44 anos, moradora da Luís Alves há 17 anos.
O que dizem as lideranças comunitárias
Eduardo Canejo, 61 anos, é presidente da Associação de Moradores Souza Lopes (deveria ser Ramos, mas, na hora do registro, havia outra associação com mesmo nome).
Ele é arquiteto e acompanha o projeto do túnel da Sena Madureira desde 2010, quando foi apresentado pela gestão Gilberto Kassab. “Tenho certeza de que essa obra não terá continuidade. Mesmo no Brasil, ela é absurda”, diz.
Segundo Canejo, existem 81 casas na comunidade Souza Ramos, com cerca de 300 pessoas. “A gente está em processo de regularização desde 2016”, conta.
Do outro lado da rua, na favela Coronel Luís Alves, quem fala pela comunidade é Wallace Dias, 31 anos, morador da comunidade há duas décadas.
Ele conta que receberam intimações da prefeitura, foram procurados pela Defensoria, mas descobriram que ao menos parte do terreno é particular. Então entraram com ação judicial de usucapião.
“A gente quer ganhar a posse para vender valorizado, por valor de mercado”, diz Dias. “Queremos usar o túnel para sair”. Segundo ele, existem 60 casas na comunidade, com cerca de 200 pessoas.
Favelas parecem iguais, mas não são
Embora as duas favelas estejam na área mais baixa da região, invisíveis para quem passa pelas principais vias da Vila Mariana, existem diferenças evidentes.
A Souza Ramos tem um portão grande, que permite a passagem de dois carros. Ele dá acesso a uma via central com casas de um lado e garagens do outro, fazendo divisa com a obra – as paredes começaram a rachar após o trabalho dos tratores.
A construção do túnel parou antes de atravessar a rua, por isso favela Coronel Luís Alves foi menos afetada. Por enquanto, a interferência mais visível é o barro de terra vermelha que tinge a água da chuva, em enxurradas que sempre escorreram para dentro da comunidade.
Versões oficiais
A recente atualização do Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não diferencia as favelas Souza Ramos e Coronel Luís Alves. Haveria 172 moradores nas duas comunidades.
A Secretaria Municipal e Habitação (SEHAB) da Prefeitura de São Paulo informou que “reforça o compromisso de atendimento definitivo às famílias residentes na área de intervenção das obras do Túnel Sena Madureira”.
A nota oficial diz ainda que as famílias poderão “fazer a opção pela indenização de seus imóveis ou a realocação em uma nova unidade habitacional, sendo que nenhuma família residente no local ficará desalojada”.
Segundo a Prefeitura, o cadastro dos moradores começou no dia 7 de novembro.