Você sabe qual é a maior linha de ônibus de São Paulo?
Com 78 km, é possível ficar mais de sete horas dentro do ônibus para ir e voltar na linha Rio Pequeno-Ipiranga
Entre as 1.302 linhas de ônibus da capital paulista, muitas enormes e todas cruzando o trânsito da capital, a maior delas tem 78 quilômetros, a Rio Pequeno-Ipiranga, número 477P-10.
Ela sai da zona sul, perto do conhecido Museu do Ipiranga, e termina, sempre horas depois, próxima ao campus central da Universidade de São Paulo (USP), na zona oeste.
Em comum entre os dois extremos estão escolas públicas e as cabines dos fiscais, uns quadradinhos de metal que os espremem e esquentam de calor. Por sorte, existem árvores abençoando com sombras os motoristas e cobradores nos intervalos das viagens.
Apesar da extensão, a linha, que atravessa dezoito bairros, não passa por nenhum local que os paulistanos chamariam de quebrada, pelo contrário. Atravessa áreas chiques como Moema, Itaim Bibi, Morumbi e Brooklin, e de classe média, como Butantã, Pinheiros e Ipiranga.
Riqueza e ostentação ficam do lado de fora. Os ônibus carregam empregadas das casas ricas por onde passa a linha, e trabalhadores do comércio, de bares e restaurantes do trajeto.
O sentido Ipiranga-Rio Pequeno costuma demorar mais, não só porque é ligeiramente mais longo. Nem tudo tem explicação no imprevisível trânsito de São Paulo, mas, às vezes, como na ocasião em que a reportagem viajou na linha, o motivo do atraso é claro: um acidente com motociclista.
No dia em que percorremos os dois sentidos do trajeto, a primeira parte, da estação São Judas até o Rio Pequeno, durou duas horas. No meio da tarde, não era horário de pico. Mas o retorno, que começou às 17 horas, levou três horas e meia para chegar ao Ipiranga. Mas pode demorar bem mais.
Embarcando na estação São Judas
A reportagem embarcou às 15 horas na avenida Indianápolis, sentido Rio Pequeno. Percorremos boa parte dela vendo restaurantes, lanchonetes e lojas chiques. Na Alameda dos Nhambiquaras, damos de frente com o Instituto Neurológico Paulista (INEP), mas rapidamente entramos em uma sequência de avenidas e alamedas.
O comércio continua bombando, destaque para as concessionárias de automóveis de luxo, típicas da região. Os contrastes arquitetônicos e sociais também são típicos. Logo em seguida, visualizamos um supermercado totalmente desativado e, mais à frente, moradores de rua lotam cabanas e outras moradias improvisadas.
Estamos há uma hora e meia dentro do ônibus e agora, saindo da Avenida dos Bandeirantes, ele vai atravessar a área mais rica da linha. Os passageiros tentam arranjar formas de lidar com a longa viagem escutando música, dormindo e conversando.
No largo da Batata, três moças e duas crianças embarcam e uma delas solta “eita trânsito longo da miséria”. O sotaque nordestino lembra, imediatamente, a oralidade da classe trabalhadora paulistana.
Estávamos perto de um trecho difícil, a Rodovia Raposo Tavares, entupida nos finais de tarde, ainda mais no sentido que pegamos, rumo ao interior.
Trecho final parece interminável
Enquanto o ônibus se arrasta, conversamos com passageiros regulares, como Ricardo Aparecido, de 52 anos. Ele usa a linha há cinco anos e comenta que ela demora. Ele sai do trabalho às duas da tarde e, se tudo der certo, o ônibus passa dali dez minutos. Mas, em geral, demora quarenta.
“Uma vez, no final do ano, fiquei três horas esperando ele passar". Outros passageiros comentam que hoje, por algum motivo, o ônibus está demorando quase trinta minutos. Os pontos vão enchendo de gente, mas o ônibus quase esvazia em pontos específicos do Butantã, Saúde e São Judas, onde existem estações de metrô.
Outra passageira, Maria Aparecida, de 75 anos, está aposentada. Ela lembra que, há mais ou menos cinco anos, tentaram acabar com a linha. A justificativa foi o longo trajeto e a pouca quantidade de veículos. Rolou um abaixo assinado vencedor, para que mantivessem a circulação e colocassem mais veículos.
“Apesar de demorar bastante, ele é importante para nós, pois passa em diversos lugares que só seriam acessíveis com metrô ou de carro", explica dona Maria.
Entre papos e paradas, a viagem até o Rio Pequeno termina às cinco da tarde, duas horas depois do embarque, que se deu no meio do trajeto. Agora faremos a volta completa.
A viagem de volta, completa
Do ponto final no Rio Pequeno até entrar na Raposo Tavares, vai rápido. Neste sentido, em direção à capital, o trânsito maior está no fluxo contrário, agora pior do que quando passamos ali, alguns minutos antes.
Uma criança olha pela janela e diz “eita morro grande da peste”. De fato, há morros nas laterais da rodovia. Observo que o embarque e o desembarque não são dos mais confortáveis. Existem barreiras de concreto e os usuários atravessam por frestas entre elas. Vimos pessoas descendo na rua e correndo para evitar acidentes.
Fora da Raposo Tavares, um pouco antes das 18 horas e da avenida Brigadeiro Faria Lima, um motoboy bate na lateral do ônibus. Apesar do susto, nada grave, ele machuca o pé. Apesar do horário e do local, em menos de dez minutos encosta um ônibus substituto.
O que explica essa rapidez? Em geral, dois ônibus andam praticamente juntos na linha, um comum, que bateu, e outro articulado, com duas partes, bem maior, que recolheu os passageiros.
Outra sorte: uma viatura da Polícia Militar está próxima e fecha o trânsito imediatamente, para o socorro seguro do motoboy.
Trecho final no novo ônibus
Após entrarmos no ônibus que nos socorreu, o cobrador, talvez por solidariedade, está amistoso. Comento que seu colega, do ônibus anterior, falou pouco. “Por que não falar? A gente vai viajar horas juntos, por que não dar informações?”
Aproximar-se dos profissionais significa conhecer vários pequenos perrengues da rotina. Sabia que o motorista e o cobrador evitam tomar água? Os banheiros só existem nos pontos finais. Imagine esperar duas, três, quatro horas para se aliviar.
Segundo o cobrador, os passageiros desta linha normalmente são educados. A maioria, usuários regulares. Por isso, é comum se cumprimentarem e conversarem. Um dos assuntos deste dia é o atraso e o cobrador passa o restante do trajeto repetindo que tinha acontecido um acidente. “O trânsito também não está normal para uma terça-feira”, emenda.
Os dias mais travados são segundas, quartas e quintas, por conta de eventos e jogos de futebol - o trânsito em direção ao estádio do Morumbi, por exemplo, afeta diretamente esta linha.
Tem gente que até perde o ponto
Um pouco antes do final, uma passageira pergunta se estamos chegando ao Museu do Ipiranga. O cobrador informa que passaram pelo local oito pontos atrás.
É começo da noite. O trânsito diminui e outra passageira comenta: “Eu fiquei uma hora esperando esse ônibus e agora tive que ficar um hora com ele no trânsito”.
Finalmente atingimos a rua Leais Paulistanos, de onde é possível ver o Museu do Ipiranga aceso, uma bela imagem noturna, alívio visual depois de tanto tempo. Ainda passamos por ruas históricas, onde havia antigos mercados municipais, antes de entrar direto no ponto final, na avenida Inhaíba, atrás da Escola Estadual Raul Fonseca.
Após três horas e meia, o relógio marca 20h30. A reportagem acabou, mas o repórter ainda pegará um ônibus, duas linhas de metrô, depois outro ônibus, e chegará em casa, na zona leste, onze horas da noite, sem querer ouvir falar de busão pelos próximos dias.