A dificuldade em falar sobre veganismo na periferia
Quando você tem a sobrevivência garantida, informação de qualidade e poder de compra, pensar além e se envolver em causas é bem mais fácil.
Como sempre falamos aqui na coluna, para uma pessoa que nasceu numa região privilegiada, com condições financeiras, fartura de alimentos frescos e informação, é muito mais fácil abdicar de hábitos comuns por questões éticas, sociais ou ambientais.
Quando você nasce com dificuldades financeiras, sem informação, com uma péssima alimentação, com acesso limitado a alimentos e sem variedade, é quase impossível entender que quando você pode comprar a marca mais cara, a comida mais ''sofisticada'', você não vai comprar por questões amplas como a pauta ambiental e direitos dos animais.
Pensar em outras espécies, pensar no meio ambiente, ou qualquer questão que está além da própria sobrevivência ou do que é estimulado culturalmente, requer um esforço maior dentro da realidade periférica.
E claro que é possível ser quebrada, vim de uma realidade diferente da rapaziada do centro, dos condomínios, e se importar com causas importantes e que estão além da sobrevivência, porém, é bem mais complexo do que estar numa realidade mais confortável economica e socialmente falando. Nós somos um exemplo de que sim, é possível, e que a informação é a chave para isso, mas, sempre tem os poréns.
A estética do atual veganismo infelizmente afasta e não abraça a maior parte da população, e um dos fatores mais importantes para uma causa ser aceita e ser popular é a identificação e a representatividade.
Recentemente estivemos em um evento vegano e refletimos muito sobre a comunicação e a estética utilizada no evento, a forma de se apresentar: uma aparência mística, artesanal, com termos em inglês, músicas impopulares, e uma série de elementos que vai à contramão da popularização do movimento.
Falar sobre cultura pop é menos intelectual em certos setores da sociedade, só que é essa arrogância intelectual que afasta cada vez mais o povo dos principais debates. Ninguém quer chegar em um lugar que não conhece e não se identifica com a música, com o público, e não tem dinheiro para comprar um pedaço de bolo, uma coxinha ou qualquer outro produto (os eventos veganos).
Estabelecimentos (físicos e online), feiras e eventos, ações e atividades é tudo o que dá a cara para um movimento, se esses se apresentam de forma impopular, é isso que o povo tem contato e isso cristaliza de forma equivocada a ideia do que de fato é ser vegano ou vegana.
A quebrada tem outra relação, são outros códigos. E pensando em popularizar o movimento é necessário considerar esses pontos.
Além do veganismo ter essa estética e uma comunicação mística, muitas vezes, a carne e o churrasco na periferia tem muito valor, é tratado como um prêmio, não é só sobre nutrição ou alimentação, e isso é um grande empecilho para debater assuntos relacionados ao consumo de carne. Mas não impede de travar esses debates, muito pelo contrário.
Quando uma pessoa cresce e nasce numa cultura, e está totalmente confortável com certos costumes, é muito difícil ela mudar completamente o estilo de vida. Contudo, o veganismo é um caminho possível para essa mudança, pois tem como pano de fundo a exploração e o sofrimento animal, o que mexe com a maior parte da população, pois temos um povo compassivo e ético, mas que ainda não teve a oportunidade de refletir sobre isso.
Embora tenhamos uma série de dificuldades em falar de veganismo e assunto mais cabeça na periferia, jamais deixaremos esses assuntos apenas nas universidades e nas rodinhas de amigos de classe média alta. É preciso popularizar o conhecimento, e os assuntos mais diversos devem permear a quebrada. E a dificuldade encontrada, não é culpa de indivíduos que não se esforçam para aprender, isso são causas e condições do funcionamento do sistema econômico vigente, que em sua raiz é desigual e seletivo.