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A importância dos ovos e a crueldade com as galinhas

Quando o assunto é alimento básico e popular na mesa do brasileiro, é impossível não considerar a desigualdade social.

16 fev 2023 - 05h00
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Foto: CanvaPro

Quando tínhamos 10 anos, eu, e meus dois irmãos estávamos sozinhos em casa, não tínhamos o que comer, tinha apenas arroz na geladeira, ligamos para a nossa mãe e perguntamos o que iríamos fazer para comer, na época ela disse ''desce no bar da Fátima e compra 3 ovos na minha conta'', naquela época era só ir até o bar e pegar fiado, a dona do bar anotava num caderno os nomes e acertava depois.

Fizemos isso, descemos lá e deu certo (ainda ela cobrou a gente), falou ''seu pai tá devendo aqui viu, mas vou vender porque é comida'', pegamos os ovos, chegamos em casa e os três ovos estavam laranja e com cheiro forte, deviam estar estragados, mas tivemos que fazer mesmo assim, fritamos os ovos e comemos com arroz e conseguimos ir pra escola com a barriga cheia. Quando não tínhamos pacote de arroz, o segredo era comprar os ovos na Fátima e pegar 3 miojos.

Chegando na escola, na hora do intervalo, na merenda sempre tinha arroz com ovo mexido, comemos mais uma vez.

Naquela época, aquilo era a única opção que tínhamos para nos alimentar, o ovo estava acessível no bar e na escola. Ainda hoje, sabemos que essa é a realidade de milhares de pessoas Brasil afora.

Como chegar a esses três jovens há 17 anos e dizer que os ovos que eles estavam comendo não era correto e que deveriam parar com esse consumo, como chegar para essa mãe e explicar que os ovos são carregados de sofrimento, dor e crueldade e que esse consumo não é ético? E a fome é ética? E se é só isso que a pessoa tem para comer?

A forma como as classes mais baixas vivem no Brasil é abominável e desumana. Falar do consumo de ovos e a crueldade com as galinhas poedeiras precisa vir com a compreensão de que vivemos em um país com milhões de famintos, e que ter ovos na geladeira é sinônimo de ter o que comer em casa, apesar de não ser o desejado ou o ideal na maioria das famílias.

Não tem discussão, se a única coisa que a pessoa consegue ter acesso é ovos, não tem o que falar. O que realmente precisa mudar é a distribuição de renda, a geração de emprego, a cobrança de impostos, a valorização da agricultura familiar, a disponibilidade de alimentos saudáveis nas periferias. Mudanças estruturais. Só podemos falar de mudanças individuais se a pessoa tiver acesso e dignidade, caso contrário não rola. É fato que o ovo cumpre uma função social.

É impossível colocar o veganismo como foco e ignorar essas questões tão latentes como a fome e o acesso à comida. Precisamos combater a fome. Só que, ao mesmo tempo, é impossível negar que a forma com a qual exploramos e torturamos os animais precisa ser repensada e questionada com urgência.

Galinhas poedeiras são tratadas como se não conseguissem sentir, são trancafiadas em gaiolas minúsculas, privadas de espaço, lazer e convívio, e no final são abatidas.

O hábito de consumir ovos de galinha tem vários fatores, como a questão cultural do consumo de animais e derivados, o preço acessível e a ideia nutritiva e versátil que o ovo passa. São pontos importantes para debatermos.

Há uma necessidade cultural bem estabelecida de que ter comida na mesa significa ter carne, ovos, queijo, linguiça, entre outros produtos derivados de animais, ou seja, produtos de origem animal. Precisamos debater essa ideia, pois existe uma variedade enorme de alimentos de origem vegetal, o próprio arroz e feijão é rico em aminoácidos essenciais, proteína, cálcio. Uma alimentação vegetal além de muito mais saudável é muito mais ética e benéfica ao meio ambiente.

O preço acessível é uma questão, pois embutido com a ideia (cultura) de que comida mesmo é de origem animal, o ovo é perfeito, pois ele tem um preço realmente acessível e cumpre um papel no imaginário da população.

Essa cultura de comer animais e derivados é responsável por uma crueldade sem tamanho. Mas não adianta apenas combatermos a exploração animal e não mencionar o papel de alimentos como o ovo para a população brasileira. Para acabar com a exploração animal, é preciso acabar com a fome.

O ponto fundamental: lutas por mudanças individuais para que pessoas que já tem acesso e recursos contribuam com o fim da exploração animal, fomentar mudanças estruturais para que a exploração animal seja abolida de maneira mais institucionalizada e também lutar por mudanças no âmbito político e econômico para que a população não fique sem autonomia para fazer suas escolhas alimentares conscientemente.

Pega a visão:

A fome é um problema estrutural que afeta indivíduos, e aqui não estamos querendo dizer que é só tirar o ovo e colocar mais arroz e feijão, pois sabemos a importância dos produtos de origem animal no prato de quem tem fome.

Vegano Periférico Leonardo e Eduardo dos Santos são irmãos gêmeos, nascidos e criados na periferia de Campinas, interior de São Paulo. São midiativistas da Vegano Periférico, um movimento e coletivo que começou como uma conta do Instagram em outubro de 2017. Atuam pelos direitos humanos e direitos animais por meio da luta inclusiva e acessível, e nos seus canais de comunicação abordam temas como autonomia alimentar, reforma agrária, justiça social e meio ambiente.
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