Alimentação na quebrada: o povo morre de fome ou pelo que come
A população periférica está entre a fome e a má alimentação, esse é um debate crucial
O Brasil atravessa uma crise muito expressiva, mais de 33 milhões de brasileiros e brasileiras não têm o que comer, não conseguem acessar o básico. Além disso, mais de 125 milhões se encontram em algum grau de insegurança alimentar: não têm certeza se vão conseguir comprar alimentos e se alimentar de forma minimamente adequada.
Falar de alimentação no país da fome é muito complicado, não só pela estatística, mas também porque já passamos muita dificuldade e fome na nossa infância, já fomos obrigados a passar meses comendo apenas miojo e ovo (que muitas vezes estava estragado), alimentos que a gente comprava fiado no bar perto de casa.
Por ironia da vida, atualmente falamos muito de alimentação, de consumo de produtos de origem animal, de consciência alimentar, da questão da fome, entre outros assuntos.
Quando apontamos que o povo ou morre de fome ou pelo que come, estamos querendo dizer o óbvio: ou o povo fica sem comida e morre por falta de nutrientes ou morre de forma mais lenta por doenças ligadas ao estilo de vida: problemas cardiovasculares, diabete, câncer.
Essas doenças crônicas estão estreitamente ligadas à alimentação moderna, baseada em produtos de origem animal, ultraprocessados, industrializados, embutidos, ricos em aditivos químicos, sal, gordura saturada e açúcar.
A fome é um problema político, econômico e estrutural, sobretudo quando temos um governo tão negligente como o atual. A agricultura brasileira tem um volume de produção de cereais de 239 milhões de toneladas, e é a quarta maior agricultura do mundo, porém, a população continua com dificuldades de acessar alimentos básicos.
O modelo econômico atual favorece a concentração de terras, renda e impede que tenhamos uma população autônoma e independente. Por isso, é complicado falar sobre alimentação sem ter uma compreensão política do assunto.
Além disso, quando abordamos o assunto da alimentação saudável na quebrada, precisamos ter em mente que estamos todos inseridos dentro de uma lógica. De uma perspectiva individual, nós crescemos passando fome, ou comendo de forma muito prejudicial, mas só começamos a entender o que estava acontecendo quando tomamos consciência e acessamos um certo nível de informação.
É importante saber o porque passamos tantas dificuldades financeiras e nossos hábitos alimentares eram tão nocivos.
Em relação à dificuldade financeira e à fome, entendemos que vivemos em um sistema econômico bastante desigual e controlado por uma classe de pessoas que não se importam com o povo.
Já em relação à alimentação prejudicial, compreendemos que existe uma indústria que lucra muito com a comercialização de alimentos ultraprocessados e produtos de origem animal. Somos condicionados por estímulos publicitários a comprar e comer esses produtos alimentícios, pobres em nutrientes e ricos em componentes prejudiciais, que são feitos para viciar e gerar lucro.
Os embutidos, por exemplo, são restos da indústria da carne, repletos de aditivos e conservantes que são considerados cancerígenos, e a indústria vende isso para as populações mais pobres por um preço acessível, com uma propaganda maciça para tornar o produto mais atraente. Nessa situação, uma população com extrema dificuldade financeira não tem muito para onde correr.
Além da questão da publicidade e consumo condicionado de ultraprocessados, é importante ressaltar a existência dos desertos alimentares, regiões em que o acesso a alimentos in natura, ou minimamente processados, é dificultado ou inviável.
Pessoas que vivem nessas áreas marginalizadas precisam se deslocar grandes distâncias para acessar tais alimentos, tornando a alimentação saudável quase impossível.
A maior parte das doenças que afligem a população periférica se origina do estilo de vida e da má alimentação, segundo a Secretária de Saúde de São Paulo (2017), cerca de 32% das mortes na Cidade Tiradentes, tem como causa doenças cardiovasculares.
O nutricídio na periferia é algo que precisa ser debatido, pois, quem mais sofre com doenças relacionadas à alimentação, quando consegue comer, é a camada mais pobre, sobretudo a população negra.
Mas é aí que tá, como falar sobre alimentação saudável, se a nossa população não tem autonomia de escolher, comprar e decidir o que vai consumir?
A questão de não se alimentar de forma saudável não é culpa dos indivíduos, a culpa é da organização social, mas é claro que para rompermos com isso, precisamos de consciência, informação e entendimento que precisa partir de nós, pessoas periféricas preocupadas com essa questão.
A realidade é muito dura e tudo é muito complexo, mas é necessário abordar esses assuntos e levar isso adiante. A fome é a pauta mais atual do Brasil, e o próximo governo vai precisar trabalhar duro para que a população volte a fazer pelo menos 4 refeições completas todos os dias.
A questão da conscientização e mudanças em relação à má alimentação é um trabalho longo, que requer muita educação, trabalho coletivo e seriedade, torcemos para que mudanças profundas possam ocorrer futuramente.