Carne vermelha, ascensão social ou devastação ambiental?
Ter carne no freezer é como ter um troféu na estante, porém, o quão verdadeiro, saudável e sustentável é esse ''prêmio''?
O Brasil é um dos países que mais consomem carne no mundo todo, com cerca de 79 kg de carne por habitante, anualmente. Sem dúvida, a carne é o principal produto alimentício no prato do brasileiro.
A sociedade brasileira é completamente dependente de produtos de origem animal, sobretudo carne vermelha.
A cultura do churrasco é fortemente associada a um status econômico, é um momento de celebração, e o elemento carne está sempre presente no imaginário da população como algo positivo, que simboliza uma ascensão social.
Não é incomum escutar na quebrada, ‘’hoje vamos comer uma carninha, as coisas estão melhorando’’. Ou seja, a carne serve como parâmetro social, de modo grosseiro, ela regula o bem-estar financeiro das famílias brasileiras.
A carne é um alimento extremamente cultural e carrega consigo um valor muito simbólico.
No entanto, a cadeia de produção da carne gera um impacto ambiental sem precedentes. Sua produção é responsável por largo desmatamento em diversos biomas, uso extremo de recursos hídricos, emissão de gases de efeito estufa, poluição da água, do solo e do ar, entre uma série de outros impactos.
De acordo com um estudo recente, sobre gases de efeito estufa dos sistemas alimentares no Brasil, ‘’em 2021, a carne bovina foi o produto responsável pela maior parte das emissões de GEE dos sistemas alimentares, respondendo por 77,6% e 57,2% das emissões por sistemas alimentares e totais do país, respectivamente.’’
Além disso, de acordo com uma análise de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), a carne contribui com 86% da pegada de carbono da dieta nacional. Ademais, a carne representa 77% da poluição de corpos d’água e 90% do uso da terra considerando a dieta total e 26% do uso da água.
Quando estamos em volta de uma churrasqueira, se divertindo, não pensamos ou sabemos que uma dieta sem carne liberaria até 2 bilhões de hectares e que uma dieta vegana liberaria cerca de 3 bilhões de hectares de terra.
Sem contar, que uma alimentação baseada em vegetais, evitaria um colapso ambiental.
Mas é inegável que estamos frente a um grande dilema. Pois a carne tem um valor no imaginário da população brasileira e é um forte aspecto cultural. Por outro lado, esse produto alimentício representa um grande problema ambiental.
Podemos achar que a solução para o consumo de carne, para continuarmos fazendo churrasco sem preocupação, seria uma produção local e sustentável.
Porém, um estudo realizado por Poore e Nemecek, em 2018, coletando dados de 38.000 fazendas que produzem 40 produtos agrícolas em todo o mundo, mostrou que as emissões de quase todo alimento vegetal são menores que a carne produzida localmente.
E também afirmou que existem várias formas de produzir carne, mas ainda assim, a melhor produção de bife é pior que a pior de plantas.
É fundamental compreender que o consumo de carne é cultural. Precisamos, urgentemente, tirar a carne de um lugar que ela nunca deveria ter sido colocada, que é de um produto fundamental na dieta humana, como um alimento simbólico e que tenha um valor em si.
Precisamos ter uma população com condições financeiras que decidam com base na consciência sobre consumir ou não, mas não podemos deixar de debater que a carne é nociva em vários sentidos, e tem mais malefícios do que benefícios, pensando de uma perspectiva global.
Além disso, a destruição ambiental vai gerar grandes impactos aos menos favorecidos, aos mais vulneráveis. Enchentes, ciclones, furacões, terremotos e todo tipo de desastre climático sempre leva mais prejuízos para os menos protegidos e socialmente marginalizados.
Países pobres e populações carentes, serão os primeiros atingidos e devastados. Portanto, pensar em redução do consumo de carne, ou até mesmo, abolição total, é pensar em justiça social e de maneira coletiva.
A ascensão social, ao nosso ver, significa ter informação dos impactos ambientais que determinados alimentos causam e condições financeiras de ter uma alimentação saudável, com alimentos integrais e comida de verdade. Uma alimentação que realmente nos proteja tanto individual quanto coletivamente.