ONG muda cenário ambiental em bairro da periferia paulistana
Prato Verde Sustentável constrói hortas comunitárias e debate educação ambiental no Jardim Filhos da Terra
De um projeto de conclusão de curso nasce ONG que muda toda uma comunidade. Esse é o resumo da história do Prato Verde Sustentável, elaborado na monografia do gestor ambiental Wagner Ramalho. O trabalho acadêmico é um marco, mas a história começa na infância, com a vivência que ele teve durante os anos que foi acolhido por uma família indígena no interior de São Paulo.
“Tudo o que abastecia a mesa vinha do próprio terreno, do próprio território, da própria casa. Então, apesar do poder aquisitivo ser bastante baixo, era muita fartura de alimentação”, lembra.
Quando voltou para a capital paulista, Wagner se surpreendeu com a falta de cultura da plantação de alimentos na grande cidade. “Eu perguntei para minha mãe se as pessoas não cultivavam e aí ela veio com uma parada bem forte, que eu me lembro até hoje: ‘não, aqui as pessoas têm que trabalhar pra comer’.” Neste dia, ele aprendeu que, na periferia, se você não trabalha e não ganha dinheiro, não come.
A trajetória de Wagner o levou à universidade e, quando chegou a hora de fazer o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), abordou o plantio de comida em áreas urbanas. O projeto evoluiu para o mestrado do gestor ambiental, e a intenção sempre foi tirar a ideia do papel.
Como nascem projetos e plantas sustentáveis
No começo, não foi fácil. Ele ouviu de professores e dos próprios moradores que não conseguiria alcançar a meta de tornar a favela onde é cria, Jardim Filhos da Terra, na zona Norte de São Paulo, em um espaço autossustentável.
Então ele começa com a abertura de um canteiro comunitário para realização de atividades pedagógicas com as crianças. Com seu trabalho e dos voluntários, o projeto cresce e, atualmente, a organização possui 270 canteiros, além de diversas outras biotecnologias, como composteiras, cisternas e biodigestores.
Esses processos tornam o local autossustentável não apenas em termos de produção de alimentos, mas de energia e água. A ONG construiu um ciclo agroecológico que recicla, ao ano, quase 50 toneladas de resíduo orgânico que se torna húmus, um biofertilizante.
Sustentabilidade em várias frentes
Uma cisterna que armazena água da chuva é usada para fazer a irrigação das plantas. O trabalho com educação ambiental continua de várias maneiras, a exemplo da recém-inaugurada cozinha experimental, que usa os insumos produzidos na própria comunidade.
A ONG possui uma frente de vendas de alimentos a valores sociais para tornar a alimentação orgânica acessível a pessoas de baixa renda, mas esta não é a principal forma de sustento da organização.
Wagner acredita que “quando a pessoa ganha muito dinheiro com alimentos é porque tem outras pessoas passando fome”. Além do trabalho voltado para a comunidade, a equipe oferece cursos e consultorias para empresas, além de abrir visitações a escolas da região. Essas são as principais fontes de manutenção financeira.
Mudanças profundas no território
O Prato Verde Sustentável não mudou apenas o ambiente físico da favela ao diminuir as chances de enchentes e doenças causadas por ratos e mosquitos, alterou o cenário social. Atualmente, o projeto leva renda para moradores, além de, através da educação ambiental, auxiliar pessoas que viviam em situação de vulnerabilidade.
Segundo Wagner Ramalho, “o Prato Verde Sustentável recuperou uma área que era totalmente degradada, onde tinha conflitos, pessoas aliciando crianças para o tráfico ou para prostituição. Hoje, é um lugar de educação, de ecoturismo. Mudou totalmente o território”.
Angeli Teixeira, 40 anos, estudante de gestão ambiental e educadora na ONG, é uma das pessoas da comunidade que teve a vida mudada pelo Prato Verde Sustentável. Ela conheceu o trabalho que o grupo fazia na pandemia, quando estava desempregada, e conta que deve sua atual profissão à organização, que a deu a oportunidade de poder sonhar com um futuro melhor.
Para Angeli Teixeira, conhecer o coletivo foi um divisor de águas na sua vida e nas dos seus filhos. “Eu aprendi que poderia estar comendo bem dentro da cidade, num lugar que não tinha valor por ser na periferia”.