“A gente tem um futuro incerto, infelizmente”, diz MV Bill
Rapper participa de evento cultural de periferia em Salvador. Em entrevista de teor político, ele fala de novos projetos
O rapper carioca MV Bill participa do Boca de Brasa, evento cultural periférico que começa hoje, dia 21 de março, e termina sábado, 23, em Salvador. Nesta entrevista exclusiva, ele fala de política, milícias, do cenário do rap, de censura ao livro O Avesso da Pele e revela dois novos projetos audiovisuais, um filme e uma série.
O rapper MV Bill participa do evento cultural Boca de Brasa, que começa hoje em Salvador e vai até sábado, dia 23. A programação gratuita ocupará o Quarteirão das Artes da Fundação Gregório de Mattos, no Centro Histórico de Salvador.
Para participar, é preciso se inscrever presencialmente no dia da atividade. As vagas estão sujeitas à lotação dos espaços, inclusive o bate-papo com MV Bill, que acontece amanhã, dia 22, 11 horas, no Espaço Cultural da Barroquinha.
Além desse encontro, haverá painéis, laboratórios criativos, apresentações artísticas, shows e feira de empreendedorismo, que potencializam a diversidade e criatividade das comunidades periféricas.
MV Bill conversou com o Visão do Corre. É uma conversa de teor político, sobre ascensão da extrema direita, milícias, as próximas eleições municipais, a postura do rap atualmente, censura à arte e dois novos projetos de audiovisual.
Pensando nos 50 anos de hip hop, essa cultura fez muito pelas favelas brasileiras. Em quais aspectos você acha que ainda falta avançar?
A cultura hip hop teve um momento importante de alerta dentro das favelas, no Brasil e no mundo. Mas chegou um momento em que a favela começou a se ligar por outros meios. Era importante ter esse despertar, mas ele ficava limitado ao público de hip hop, que não era muito grande naquele período. Ter outras frentes que também trazem esse alerta hoje em dia, seja através de outras formas de arte, ou da articulação de lideranças que entendem que é importante a favela discutir as suas próprias mazelas, é muito bom. A gente abre o leque.
O rap não faz mais isso?
O que se conhece como música rap hoje em dia, e suas vertentes, acabam indo para um outro lado, não estou nem entrando no mérito. Mas, definitivamente, vai para um outro caminho, fala de outras coisas, e aborda outros assuntos e situações.
O problema das milícias vai ser resolvido no Rio de Janeiro ou a tendência é que elas ganhem cada vez mais espaço?
Esse real poder paralelo ganha muita força à medida em que vai se infiltrando dentro da política. E, à medida que isso cresce, infelizmente a tendência é acabar se consolidando no Rio de Janeiro e, posteriormente, migrar para o resto do país.
O que é pior para as comunidades, a milícia ou as facções criminosas tradicionais?
Acho que as favelas deveriam ter uma terceira opção, que seria viver sem estar sob o julgo, o comando de alguém ou de alguma força. A favela deveria ter suas próprias lideranças, não ligadas ao crime. Para que nossas crianças possam somente viver, brincar, e não passar por provações, situações pelas quais minha geração teve que passar. Isso só vai acontecer quando tiver opção de não ter armas apontadas assim que sair no portão de casa.
Corremos o risco de um retrocesso político no Brasil, com a eleição de mais representantes da chamada extrema direita?
O discurso de extrema direita tem ganhado força no mundo todo, infelizmente. No Brasil não tem sido diferente, apesar de ser um país com muita gente preta. É uma corrente que vem crescendo, um pouco pela ignorância política, pelo desconhecimento, e também pela qualidade ruim dos políticos que a gente tem. A gente tem um futuro muito incerto pela frente, infelizmente.
Qual sua opinião sobre a censura ao livro O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório?
Qualquer tipo de censura é abominável, principalmente com a arte. Acaba sendo uma forma de vingança de quem tem o poder de barrar determinadas coisas. É ruim para cultura, para o país, para o conhecimento, para a liberdade, para a arte. Só atrapalha.
Qual sua maior satisfação hoje?
Tenho muita satisfação em continuar fazendo música, tendo pessoas que param para me ouvir, que gostam de saber das novidades que estou lançando. Eu não tenho nem tempo para me decepcionar com outros artistas.
Poderia adiantar alguma informação sobre seus projetos no audiovisual?
Estou em parceria com o Fernando Barcelos, que fez curso de audiovisual em um dos projetos que eu ajudava na Cidade de Deus. Ele se formou, hoje dirige e faz roteiros para projetos grandes. A gente se juntou para fazer dois roteiros. Escolhemos duas músicas minhas, uma vai virar série, e outra, um longa-metragem.