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Africano lê romance periférico brasileiro na França e “adora”

Imigrante de 15 anos da Costa do Marfim ganha livro recém-lançado de Wesley Barbosa em Marselha e “devora” em dois dias

10 ago 2024 - 17h46
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Resumo
O romance Viela Ensanguentada, livro mais conhecido do escritor Wesley Barbosa, de Itapecerica da Serra (SP), acaba de ser lançado na França por uma editora brasileira. Traduzido como Rouge Favela, foi dado a um jovem da Costa do Marfim, que chegou ao país da Olimpíada após uma saga que incluiu a travessia do Saara a pé. O imigrante leu o romance sem parar e se identificou com personagens e cenários. “Nossas vidas eram semelhantes, em contextos diferentes”.
Momo no Parque Longchamp, em Marselha, França, com a versão em francês de Viela Ensanguentada.
Momo no Parque Longchamp, em Marselha, França, com a versão em francês de Viela Ensanguentada.
Foto: Nichelle Teles

O escritor periférico Wesley Barbosa, de Itapecerica da Serra, Região Metropolitana de São Paulo, conhecido por vender sozinho mais de 10 mil livros, lançou Viela Ensanguentada na França há um mês.

Traduzido como Rouge Favela, o livro chegou às mãos de um imigrante de 15 anos da Costa do Marfim, que “devorou” o romance em dois dias. Identificou-se, sobretudo, com o protagonista negro e com o cenário de favela.

Como ainda vive informalmente na França, vamos chamar o jovem de Momo. Ele mora em Marselha e as fotos com óculos escuros o protegem do preconceito e das dificuldades para permanecer no país da Olimpíada.

Momo demorou quatro meses para chegar à França. Atravessou seis países e o deserto do Saara, viu gente morrer no caminho, mas faria tudo de novo. Desde novembro do ano passado, vive na associação Romina, Rede de Acolhimento de Menores não Acompanhados.

“O personagem principal era negro”

A Romina fica em Marselha, cidade portuária francesa que recebe imigrantes de vários países. A editora francesa Nichelle Teles ficou sabendo, através de uma amiga, da história de Momo. E fez o livro chegar até ele.

A editora brasileira Nichelle Teles e Momo. A imagem da capa do livro é do artista periférico recifense Francisco Mesquita.
A editora brasileira Nichelle Teles e Momo. A imagem da capa do livro é do artista periférico recifense Francisco Mesquita.
Foto: Nichelle Teles

“Dei o livro para minha amiga em um bar. Três dias depois ela me mandou mensagem informando que ele devorou o livro em dois dias, tinha gostado muito”, conta a editora.

Rouge Favela é a obra de estreia da editora BR Marginália, com linha editorial focada em literatura periférica e afro-brasileira. O romance de Wesley Barbosa tem tiragem inicial de mil exemplares, vendeu duzentos até agora.

Segundo Momo, “o livro me chamou a atenção porque o personagem principal era negro. Depois, ao ler, percebi que eles ainda viviam mal nas favelas, em casebres. Isso me cativou e eu quis ler tudo”, conta o jovem de Costa do Marfim.

A história do protagonista Mariano o marcou particularmente. “Vi que nossas vidas eram semelhantes, embora os contextos sejam diferentes”.

“Esses livros me dão conselhos”

 “Aprendi que sempre devemos manter a esperança e nunca seguir o caminho errado, não importa a dificuldade da vida. Isso é o que tirei do livro: perseverança. Nunca devemos nos desviar do caminho certo, precisamos ser pacientes e trabalhar duro”, acredita Momo.

O escritor Wesley Barbosa com a versão brasileira do romance traduzido para o francês.
O escritor Wesley Barbosa com a versão brasileira do romance traduzido para o francês.
Foto: Divulgação

O autor Wesley Barbosa também se identificou com o jovem da Costa do Marfim. “Quando vi um leitor africano refugiado na França lendo o meu livro e se identificando com as minhas palavras, lembrei dos anos que morei em um barraco no meio da favela e lia livros para esquecer um pouco da minha realidade”.

Momo gosta de ler, “mas gostei especialmente deste”, diz sobre Rouge Favela. Prefere histórias de “pessoas que vivem em condições difíceis, livros que falam da miséria e do racismo. Esse tipo de leitura permite me identificar, aguentar firme e não cair na delinquência ou nas drogas. Esses livros me dão conselhos”, explica o jovem.

Viagem à França daria um livro

Momo é da cidade de Tiégba, bairro Abobo, na Costa do Marfim. Tem dois irmãos mais novos e a mãe, doente, não trabalha. “Foi principalmente a miséria que me trouxe para a França”, resume.

Para chegar ao país da Olimpíada, Momo atravessou a fronteira com Burkina Faso, depois Níger, Argélia, andou pelo deserto do Saara durante oito dias, passou pela Tunísia, Mar Mediterrâneo, Itália e, finalmente, França. Levou quatro meses.

As mortes na travessia o marcaram. “No dia em que vieram nos resgatar, foi porque algumas pessoas caíram na água e não sabiam nadar”. Ele sabia dos riscos da viagem, “mas não via futuro ficando em meu país. Nada poderia me impedir de chegar aqui, exceto a morte”.

Livro Rouge Favela na livraria Maupetit em Marselha. A obra está em quatro livrarias física da cidade, além da internet.
Livro Rouge Favela na livraria Maupetit em Marselha. A obra está em quatro livrarias física da cidade, além da internet.
Foto: Divulgação

Cotidiano em Marselha

Como muçulmano, Momo reza cinco vezes ao dia. Frequenta curso de mecânica, que gosta, anda de bicicleta, faz musculação, lê. “Tenho sorte de ter pessoas que me acompanham e me hospedam, porque muitos jovens como eu estão nas ruas”.

Momo come comida africana e francesa, gosta de legumes, pepino, cenoura. Do Brasil, conhece a imagem turística, praias e jogadores de futebol. A Olimpíada mudou sua vida? “Absolutamente não. Eu não gosto dos Jogos Olímpicos, isso nunca me chamou a atenção. Eu não assisto e nunca assisti”.

Marselha é a segunda maior cidade de França, com quase 900 mil habitantes. O porto recebe imigrantes do mundo inteiro.
Marselha é a segunda maior cidade de França, com quase 900 mil habitantes. O porto recebe imigrantes do mundo inteiro.
Foto: Henry Wagner

Como todo imigrante, quer melhorar de vida, ajudar a família, viver na França. “Mas pretendo terminar minha vida no meu país, onde nasci”. Após ter lido Rouge Favela, Momo “gostaria de deixar uma mensagem” para jovens da África, do Brasil e de outros lugares do mundo.

“Nunca desanimem, não sigam pessoas ruins e sempre acreditem em seus sonhos, não importa as dificuldades. Um dia, eles se realizarão”. Essa não é sua última palavra, porém. Como muçulmano, encerra dizendo “inshalá”, ou seja, “se Deus quiser”.

Fonte: Visão do Corre
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