Apesar do nome, samba-enredo quase nunca tem enredo
Independente do tema, letras de sambas carnavalescos raramente são capazes de contar uma história com começo, meio e fim
Imagino que muita gente tenha facilidade para reconhecer um samba: o ritmo e os instrumentos são praticamente inconfundíveis. Já o enredo é um termo da teoria literária que, conforme a tradição elitista do conhecimento, fica restrito à academia e se populariza, no máximo, entre estudantes se preparando para o vestibular. Cai na prova.
Simplificando muito, o enredo é constituído por fatos, ações e personagens de uma história. “Era uma vez” é o início clássico. Os personagens são apresentados, ações começam a acontecer, há conflitos, a coisa chega num ponto culminante (um assassinato, nascimento, casamento) e então a narrativa termina com o “felizes para sempre”.
Agora pense, ou confira na internet: qual samba-enredo é capaz de contar uma história? Quase nenhum. Compare com certas letras de rap: sozinhas, são capazes de narrar uma situação com começo, meio e fim, como em Diário de um Detento.
Muitos sambas que não foram feitos para desfiles carnavalescos também contam histórias. Lembra de “fui num pagode na casa do gago e o rango demorou sair”? É engraçadíssimo, e podemos entender toda a situação somente lendo a letra.
Nos sambas-enredo, isso não acontece. É por isso que sempre haverá necessidade de comentaristas explicando as relações do samba com os carros alegóricos, fantasias e alas.
Nem o desfile sozinho conta uma história, se bem que podem ser mais compreensíveis por causa das imagens e da própria sequência que se desenrola diante dos olhos: começa com a comissão de frente, o início clássico.
Tudo isso porque o carnavalesco Paulo Barros criticou o que considera a repetitiva temática afro nos desfiles das escolas de samba. Disse também que “ninguém entende nada” – neste caso, talvez não seja por causa do tema, mas pela falta de enredo, seja qual for o assunto.