Artista muda visual de Nova York, quebrada de SP, com cacos de pisos e azulejos
Cria da região do Aricanduva trabalhou com contabilidade, foi pastor, mas encontrou a paz de espírito fazendo murais
Artista de 61 anos desabrochou há dois, após crise existencial, religiosa e profissional. Começou decorando a casa da mãe com cacos de pisos e azulejos, desceu e decorou a escada, a garagem a ganhou as ruas com murais em muros, pontes, postes. Após fazer 40 obras, teve sua primeira encomenda remunerada.
Nelson Elias Moreira, 61 anos, cria da Vila Nova York, zona leste de São Paulo, está mudando o visual da quebrada com murais feitos com cacos de pisos e azulejos. Há dois anos, cria mandalas, peixes, golfinhos, entre outras imagens em muros, pontes, postes, escadas, escadinhas e escadões na região do Aricanduva. São cerca de 40 murais.
“Ele sempre procurou alguma coisa, agora acho que encontrou”, diz a mãe Maria de Lurdes Moreira da Silva, 80 anos, pioneira da região. “Eu estava quase enlouquecendo, sem grana, parecia que ia explodir. Minhas filhas e minha mulher chegaram e falaram: a gente só quer ver você bem”. Foi a senha.
Esse momento crucial, a partir do qual Nelsinho resolveu se dedicar à arte, aconteceu há mais ou menos dois anos, após uma vida de insatisfações com o trabalho de contabilidade e violências contra sua alma de artista. No processo, descobriu a terapia no posto de saúde do bairro e deixou de ser pastor.
Ele mora com a família nos fundos da casa que a mãe construiu “cômodo por cômodo, durante muitos anos, com muito sacrifício”. Foi a partir de um quarto em cima da garagem que o processo criativo de Nelsinho começou. "Foi o marco zero", diz.
Nelsinho começou a colocar tudo pra fora
A família, o trabalho, a religião e o posto de saúde são fundamentais para entender o processo que levou Nelsinho a começar os murais. A partir da decoração da casa da mãe, ele colocou caquinhos na escada, passou à garagem e ganhou as ruas.
Paralelamente, superava processos pessoais, como largar a contabilidade. Ele fez curso técnico para a profissão, trabalhou por anos, mas se sentia frustrado. “Não aguentava ficar ali dentro, errava nas contas, queria que abrissem janelas maiores no escritório”, conta rindo, agora que é possível rir.
Além de contabilista, trabalhou com bambus em uma feira no shopping Aricanduva. Gostava, mas ainda não era uma realização tão completa quanto fazer murais. “Eu fazia os trabalhos ao vivo, as pessoas vendo, era legal”, lembra.
Artista quer espalhar o amor
Durante muitos anos, a atuação religiosa era reconfortante. “Eu sou uma pessoa do amor, quero espalhar o amor”, repetiu durante as mais de três horas em que atendeu a reportagem. O amor exercido na religião transformou-o em “pastor Nelsinho”. Até hoje o chamam assim.
Mas ele abandou o cargo porque foi se angustiando, estudando psicologia, frequentando o grupo de apoio do posto de saúde, e os conflitos cresceram. “Não batia, sabe? Eu estudava, via e aprendia coisas que não batiam com a igreja”.
O apoio das duas filhas, da mãe (que nunca frequentou regulamente qualquer religião) e da esposa, com quem está casado há 41 anos, foram decisivos.
Um rolê por Nova York, até o posto de saúde
Saímos para fotografar murais pela Vila Nova York. O vizinho marmorista cumprimenta Nelsinho, a mulher da loja pergunta qual veículo de imprensa está com ele, alguém buzina passando de carro.
Em uma cidade marcada pelos grafites e pichações, os murais chamam ainda mais a atenção. Um deles reproduz a fachada de uma casa em tamanho natural e impressiona pelo realismo. “Não faço rascunho, chego no muro, coloco o primeiro caquinho e vou fazendo. É como se os caquinhos falassem comigo”.
Na esquina do posto de saúde, fizeram uma fogueira na calçada, chamuscando a mandala do artista. Ele refez a obra. “O pessoal não tem entendimento do que é arte”, lamenta. Leandro Sales, funcionário da Unidade Básica da Saúde (UBS) da Vila Nova York, onde o artista frequenta o grupo terapêutico, conta que os murais vêm recuperando áreas viciadas de descarte de lixo.
A melhor semana de Nelsinho
Nenhum morador com quem conversamos sabe porque a quebrada tem o nome informal de Vila Nova York. Oficialmente, é Jardim Caguassu. Está próximo a avenidas conhecidas da zona leste, como Aricanduva e Rio das Pedras.
Nelsinho não está nem um pouco interessado nisso. Sobretudo porque, na última semana, seu trabalho começou a ser ainda mais reconhecido: apareceu em reportagem televisiva, atraiu o Visão do Corre e gerou a primeira encomenda.
O muralista começou a decorar o muro de 40 metros de uma escola próxima. Com o pagamento, pretende quitar as multas do carro. “Já comecei, acho que vou levar uns dois meses para concluir a obra”. Então mostra o vídeo com o início do trabalho.
Importante informar também que, além de desconheceram a origem do nome gringo do bairro, ninguém da família de Nelsinho foi para os Estados Unidos. Nem pretendem. Há muito a transformar na Nova York da zona leste.