Artista periférico desenha 1º quadrinho sobre Inquisição no Brasil
Isaque Sagara criou a maior parte da obra que mostra a igreja perseguindo quem já era excluído na Bahia do século 16
Ilustrador tem vários HQs sobre personagens marginalizados. Ele é um dos autores de Narrativas Periféricas, série de autoras e autores de quebrada, desenhou a história de bluseiro pioneiro, empregada doméstica, entre outros.
Isaque Sagara, artista de quebrada com 34 anos, nascido e criado em São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo, desenhou a maior parte da primeira HQ sobre a Inquisição no Brasil. Recém-lançada, a obra vem conquistando reconhecimento.
As Confissões da Bahia em Quadrinhos ganhou dois prêmios recentemente: Troféu HQMix, como melhor projeto editorial, e Prêmio Odisseia de Literatura Fantástica. A trama mostra que a Inquisição perseguiu pessoas marginalizadas.
Um caso tristemente famoso narrado na HQ é o de uma mulher chamada Brites Mendes. Ela era doente mental, física e foi processada. Confiscaram todos os seus bens e ela virou pedinte, perambulando pelas ruas.
“Com certeza as pessoas mais vulneráveis acabaram sendo subjugadas pela igreja, além do desrespeito com outras religiões. Os inquisidores eram a minoria dominando a maioria”, diz o ilustrador.
Inquisição perseguiu os pobres
“Como todas as inquisições, a baiana foi uma ferramenta de controle social, principalmente dos grupos sociais alijados do poder – as mulheres, os pobres, os indígenas, os homossexuais”, diz a roteirista Cristina Lasaitis.
Ela faz dupla com Alexey Dodsworth, para quem “a própria ação da Inquisição ajudou a criar a pobreza; criou e aumentou o abismo social que já havia”. Ele lembra que a Inquisição “tomava as posses das pessoas para pagar as custas do processo, quer dizer, você não era apenas processado”.
O trabalho sobre a Inquisição trata dos excluídos do Brasil colonial, mas o ilustrador Sagara tem outros HQs sobre periferia e personagens marginalizados. Ele é um dos autores de Narrativas Periféricas, série de quadrinhos de autoras e autores de quebrada, em 2019.
Nesse projeto, produziu Quando a Festa Acabar. “Conta uma história dos anos 90, de jovens que reúnem para uma festa e rolam situações problemáticas. Trato da temáticas como drogas e AIDS”, resume.
Artista desenhou de pioneiro do blues
Com personagens e cenários periféricos, Sagara criou Tecnodreams, de 2020, história de uma empregada doméstica que trabalha para ricos, em um ambiente de tecnologia que mexe com o sonhos das pessoas.
2022, o artista voltou os olhos para o começo do século passado para desenhar a trajetória do bluseiro Robert Johnson, que morreu pobre e desconhecido. Amor em 12 Compassos é permeada de lendas e acontecimentos fantásticos.
Já Meio Amargo, de 2023, é sobre uma senhora pobre com Alzheimer, que sofreu muito na fazenda onde trabalhou. Ela cuida do neto que quer ser sambista, mas ele acaba indo para a cadeia enquanto a avó “tenta abrir os olhos dele de acordo com a vivência dela”, conta o ilustrador.
Sagara é professor de escola pública
Filho mais velho com uma irmã, Sagara estudou a vida inteira em escola pública. Graduou-se em Artes Plásticas e fez pós-graduação. Mas sua maior conquista acadêmica é dar aula em escola pública.
Professor da prefeitura de Poá há 11anos e de Ferraz de Vasconcelos há dois, suas aulas de Educação Artística. Mas não aborda somente histórias em quadrinhos, nem se restringe ao campo das artes plásticas.
“Como eu não tive professor de arte, eu procuro ajudar da melhor forma possível com dança, teatro, todas as artes. Sempre quis trabalhar em escolas públicas, recebi convites de particulares, mas recusei. Tudo é sobre a gente, no final das contas”, diz Sagara.