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Artistas das favelas falam sobre o desafio do sonho musical

Apesar de anos construindo uma carreira, em alguns casos, abandonar o sonho ainda é o meio de conseguir estabilidade financeira

12 jan 2022 - 15h31
(atualizado às 15h33)
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Show Ponto 3, em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo
Show Ponto 3, em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo
Foto: Divulgação

Na favela de Heliópolis, zona sul de São Paulo, Thais Leandro, 33, começou a cantar de um jeito espontâneo quando tinha 7 anos. “Meu tio tocava em uma banda, ele estava ensaiando na sala de casa e comecei a cantar a música. Ele viu e tirou a voz dele do microfone, enquanto o pessoal continuava tocando”, conta ela.

A canção era “Solidão”, de Leandro e Leonardo, que passou a ter um valor afetivo para Thais. Além dos tios artistas, ela conta que a música sempre esteve presente. Dançou na fanfarra, aos 13 era dançarina de forró. Depois, cantou em um grupo de samba e, depois dos 19 anos, começou a cantar forró.

Enquanto ela começava a trajetória musical, lá no Nordeste, o tecladista Francisco Romário, 24, também crescia tendo a música ao redor. Natural de Batalha, cidade do Piauí, ele mora em Paraisópolis desde o início de 2021.

“Vi pela primeira vez um colega tocando teclado em uma festa da minha cidade. Comecei a tocar aos 14 anos e fui aprimorando, aprendi primeiro com uma mão só e, depois, fui treinando com a outra”, compartilha Romário.

Apaixonado pelo forró romântico, a música virou a forma com que o tecladista se conecta consigo mesmo. “Às vezes estou em casa sem pensar em nada e quando escuto uma música, aquilo me faz refletir”, conta.

Após um tempo na área atuando em casas de shows, as histórias dos dois se cruzaram no mesmo palco em 2021: o Forró da Priscila, em Paraisópolis.

Romário, que ainda estava no interior do Piauí, decidiu buscar por outras oportunidades em cidades maiores. Foi assim que veio parar em São Paulo, após um ano parado por conta da pandemia. No início deste ano, um colega o indicou para tocar no bar da Maria Aparecida Prudêncio (a dona do Forró da Priscila).

“Aqui as oportunidades são melhores e estou na luta”, conta Romário. O primeiro contato com o Forró da Priscila foi com o grupo Top de Luxo. que se tornou o Show Ponto 3. “O espaço é muito acolhedor, o público é interativo, é satisfatório pra quem toca”, ressalta.

Foi nesse mesmo show que Thais teve espaço para compartilhar a voz por meio do forró. “Fiquei 9 anos tentando e cantando em um esquema próprio e faz tempo que não via um grupo tão bom. A visibilidade foi muito boa”.

Apesar de ser um grupo de forró, ambos se definem como bem ecléticos. “Toco de tudo um pouco. Tem que estar pegando novas letras e se atualizando. Porque, quando o público pedir, a gente sabe tocar”, explica Romário.

Caminhos opostos

A história dos dois mostras os desafios de tentar entrar na música, vivendo nas periferias de São Paulo. Por conta da necessidade, os dois têm visto de forma distinta o futuro que o cenário artístico deve apresentar.

Embora o Show Ponto 3 tenha sido um momento de destaque para a carreira da Thais, hoje ela já não está mais com o grupo. Há dois anos, ela decidiu abandonar o sonho de ser cantora profissional. Segundo ela, as contas já não estavam mais fechando. A solução foi deixar o sonho de lado e recorrer a um emprego formal.

“Parei de viver só da música porque, como ainda não tenho nome, é muito difícil. O pagamento é injusto, é pouco. E não supre as necessidades. Sou mãe de dois filhos”, conta Thaís Leandro.

A princípio ela parou de vez e ficou apenas com o emprego de recepcionista em uma clínica de saúde. Mas faz cinco meses que ela voltou a cantar, tentando conciliar o trabalho e fazendo uns bicos como cantora. Foi nesse período que ela integrou o Show Ponto 3. Porém, após dois meses, teve que sair do grupo.

“Estar em um grupo exige comprometimento, ensaios. E para mim, além do trabalho formal ainda me locomover de Heliópolis e Paraisópolis fica difícil”, conta.

Atualmente, a solução dela para não abandonar de vez a música é procurar lugares em Heliópolis mesmo para cantar e complementar a renda. Mas, segundo ela, o sonho com os palcos já não existe mais.

“Não para você só viver da música, é um trabalho cansativo, trabalhoso, o reconhecimento dos contratantes é muito pouco. Viver só disso é difícil. Foi meu sonho durante nove anos, mas não deu certo”, explica.

Para Romário, a vinda para São Paulo ajudou a manter a carreira. “Dá pra ir me mantendo aos poucos, e estou sonhando que as coisas irão melhorar para me estabilizar financeiramente. Estou tentando e quero ir aprendendo cada vez mais”, conta o tecladista.

Ainda que os dois músicos tenham tomado caminhos diferentes, eles ainda compartilham algo em comum: o amor pela música.

“Para onde a gente olha tem música falando do seu dia-a-dia, falando do seu sonho. Amo a música seja ela de qualquer forma. Pena que eu não posso viver dela”, diz Thaís. “Está dentro de mim. Depois que você conhece a música você fica tipo fica refém dela”, ressalta Francisco.

Agência Mural
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