Batalha de rap movimenta negócios e várzea na zona sul de SP
Para organizadores e patrocinadores, o evento semanal é uma forma de promover negócios locais e valorizar cultura do hip hop nas periferias
Em uma pequena caixa de som, o verso repetido pelo MC Paulo Ricardo, 32, mais conhecido como Pauê Ovelha Negra, ecoa potente para cerca de 15 pessoas. “Só MC Aladim voando sem seu tapete. Batalha do Verde! Batalha do Verde!”.
Pauê, junto com a companheira Flor Costa Queiroz, 29, conhecida como Flor MC, são os organizadores da Batalha do Verde, realizada às quartas-feiras a partir das 19h no Jardim Maria Estela, bairro do Sacomã, na zona sul de São Paulo. O evento é gratuito.
O MC sempre quis criar uma batalha de rap na quebrada, mas “algo dizia que não era o momento”. Até que o sonho convergiu com o de Flor, que também trabalha como educadora social no CCA (Centro para Crianças e Adolescentes) Georgina Maria do Carmo, no mesmo bairro.
Ela percebia que os alunos gostavam de batalhas de rima, mas não frequentavam por não ter nenhuma próxima de casa. “Quando o Pauê trouxe a ideia de fazer a batalha, já pensei: ‘vamos fazer na Área do Verde que vai dar certo’. E realmente deu”, comenta.
A praça onde a competição é realizada conta com uma quadra de futebol e se popularizou como Área do Verde, após o time de futebol de várzea de mesmo nome jogar no local. Desde a fundação, em 2017, o Área do Verde FC promove diversas atividades junto a comunidade, como saraus e arrecadação de cestas básicas.
Foi pensando nessa relação que Flor quis estabelecer uma parceria. “A gente foi abraçado pelo time e a quebrada inteira teve uma receptividade que talvez se a gente montasse uma caixinha no meio da praça e começasse a juntar vários MC’s, não teria”, diz.
Assim, o nome “Batalha do Verde” foi aderido pelo casal. “Eles liberaram e também fizeram o logo da batalha com a mesma identidade visual do time, com um sapo MC. Fizeram uma rifa e todo o dinheiro foi revertido para comprar os microfones, os adaptadores e os cabos de som”, afirma a organizadora.
Parcerias para valorizar o rap na quebrada
Além dos artistas e do time de futebol da região, o grupo também tem feito parcerias com comércios locais e coletivos culturais para ganhar mais alcance. “Estamos conseguindo parcerias só com gente de quebrada que gosta de hip hop e quer fortalecer a cena na região”, aponta Flor.
Um dos apoiadores é Kauan dos Santos, 30, dono da hamburgueria Skina 77, que funciona desde 2019 na Vila Liviero, bairro vizinho à batalha. Ele contatou os organizadores para oferecer um lanche completo com hambúrguer, batata frita e refrigerante para o ganhador da competição semanalmente.
“O campeão faz o maior corre para estar lá, gasta dinheiro do próprio bolso para ir, então o prêmio é uma forma dele se sentir recompensado”, afirma.
Santos também encontrou na parceria uma forma de divulgar o trabalho. “Tem pessoas que estiveram na batalha e também pediram o hambúrguer. Fico feliz de poder dar um ‘salve’ no ganhador e vê-lo elogiar o lanche. É uma satisfação imensa”, completa o empreendedor.
Além dos comerciantes, a Batalha do Verde também conta com outros patrocinadores, como o coletivo literário Perifatividade, que apoia com R$ 50 mensais e oferece livros de produção periférica.
O projeto Rap Vida Rap Voz também colabora financeiramente com R$ 50. Segundo o rapper Dog Fly, 27, idealizador do projeto, fortalecer a competição é uma forma de demonstrar “que a cultura hip hop também gera economia para os comerciantes do bairro”.
Essa forma de apoio ajuda a manter a mobilização de jovens que vêm de várias partes da cidade. “Nossa próxima meta é arrumar uns caras para patrocinar a gente e conseguir trazer os MC’s com a passagem paga. Alguns vêm de longe e a gente tem que dar valor”, afirma Pauê.
Raul Pereira, 20, conhecido como Raru MC, é um exemplo disso. Cria de Ribeirão Pires, na Grande São Paulo, ele sai do Parque Aliança, a uma distância de mais de duas horas do Jardim Maria Estela, para participar da Batalha do Verde.
“O pessoal daqui dá uma oportunidade muito grande. Se você perder a batalha, você ainda pode soltar um som seu. E o pessoal daqui dá uma atenção para o MC”, conta Pereira.
Além da possibilidade dos artistas soltarem um som no final do evento, em todas as edições da batalha ocorre um pocket show, sendo outra oportunidade de um MC convidado mostrar as músicas para o público.
“A gente já começou com essa ideia do pocket show para não ser só batalha e mostrar a arte das pessoas que têm escrita”, diz Pauê, que vê no movimento uma forma de valorização da juventude.
“A batalha é uma das principais portas do jovem para o rap e são eles que fazem 70% do negócio acontecer, mas muitas vezes não são valorizados”, conclui.