Batalhas de rima crescem com vídeos, que cresceram com elas
Há uma simbiose histórica que faz a cena ao vivo alimentar as imagens em vídeo, realimentando o ecossistema cultural
Plataformas como Youtube e Instagram, aliadas a batalhas como do Tanque, em São Gonçalo (RJ), e do Museu, em Brasília, fortaleceram a cena e promoveram a profissionalização das batalhas de rima, o último fruto da cultura hip hop no Brasil.
No início dos anos 200, o mundo do hip hop era bem outro. As batalhas de rima começavam a se popularizar e os primeiros vídeos, poucos, eram veiculados pelo falecido Orkut e MSN. Compartilhavam-se links. Mas dois fatos iriam mudar essa história rapidamente.
Um deles foi o surgimento do Youtube, em 2005, ainda sem as características de rede social que adquiriu depois. A plataforma de vídeos foi fundamental para popularização das batalhas, que começaram a crescer com os registros audiovisuais.
As câmeras cybershot (lembra delas?) se popularizavam. Elas possibilitaram o registro de um marco histórico da simbiose entre vídeos e batalhas: o duelo entre Emicida e Negra Rê na Batalha dos MCs, em 2006.
Na época, um vídeo com mil visualizações era viral, mas essa batalha atingiu 90 mil acessos em um mês. “Depois dessa batalha do Emicida, ele virou uma referência, e começou a virar para outras pessoas”, diz o rapper Kamau.
Criou-se uma “tecnologia de popularização”
Depois do YouTube, veio o acesso a celulares potentes, com acesso à internet cada vez mais rápida, e as redes sociais. Estava formado o cenário que fez algumas batalhas tornarem-se referências nacionais.
“Existia uma tecnologia de popularização, muitas batalhas começaram a crescer”, diz Mamuti. Apesar da presença forte de paulistas, elas entenderam a tríade batalha-vídeo-redes sociais depois do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Brasília.
“Em todas as edições, temos audiência do país e do público de fora do Brasil, se estendendo até o Japão” - Victor Guilherme, diretor da Batalha da Aldeia.
E entre os cariocas, não foi na capital, mas em São Gonçalo, que a coisa pegou forte, com a Batalha do Tanque. Em Minas Gerais, os rimadores da Família de Rua compreendiam a importância de gravar e distribuir vídeos de batalhas, inspirando artistas de Brasília.
Eles passaram a fazer a Batalha do Museu, referência no Distrito Federal, com gravação e postagem constantes nas redes sociais. Mesmo chegando depois de pioneiros de outros estados, a Batalha da Aldeia, em Barueri (SP), é o melhor exemplo do uso da tecnologia de registro e divulgação.
Batalha é reportagem, videoclipe é cinema
O processo criou sua estética, um jeito de estar “de olho no lance”. E, inevitavelmente, um universo profissional foi surgindo nas batalhas de rima, formando gente para produção, filmagem, editores de vídeo, criados pela própria cultura.
“Sem dúvida, os vídeos contribuíram muito para o crescimento das batalhas e para atingirmos o nível altíssimo do cenário atual”, diz Victor Guilherme, diretor comercial da Batalha da Aldeia.
“Antes de São Paulo, outras batalhas e MCs começaram a entender que precisavam fazer a mídia deles” – Mamuti, apresentador e rimador.
Ele não fala somente da exposição e alcance da cultura urbana, “mas também em relação à profissionalização da cena, visto que os rimadores podem estudar seus adversários, construir suas estratégias e se preparar melhor”.
A estética dos vídeos de batalhas de rimas leva Mamuti a dizer que “batalha é reportagem, videoclipe é cinema”. A captação ao vivo se assemelha aos registros de repórteres, enquanto os videoclipes são elaborados, “um produto controlado”, diz Kamau.
O que cada rede social faz
O Youtube foi muito importante para popularização de vídeos de batalhas de rimas em meados dos anos 2000. Veio o Instagram e, com seu apelo por imagens, deu enorme contribuição. Passou a ser possível falar em segmentação de público.
O TikTok é muito usado para transmissões ao vivo. Fundamental para batalhas que estão na rua, ainda se estruturando, permite ligar o celular e começar a transmitir. Não precisa de praticamente nenhuma estrutura. E a plataforma monetiza.
“Quando estiver na rua, se achar que está preparado pelo simulador, vai ver que é outra coisa” – Kamau, rapper.
“No TikTok a gente tem um público mais infantil, no Instagram está o jovem adulto e no YouTube eles estão misturados”, diz Mamuti. Adultos assistem batalhas de rima pelo YouTube porque, entre outros motivos, ele vem instalado em televisões com acesso à internet.
Além disso, a plataforma monetiza. Mas para fazer uma transmissão é preciso ter estrutura, inscritos, uma caminhada. “Muito entre aspas, é como se o YouTube fosse o vinil, vieram outras plataformas e voltou ao YouTube”, compara Kamau.
O caso da Batalha da Aldeia
Considerada a maior do Brasil, a Batalha da Aldeia movimenta todos os estados brasileiros de forma presencial e online. Além do público na praça em Barueri, onde é realizada, mais de 150 mil pessoas assistem a live semanal. O canal no YouTube tem 4,7 milhões de inscritos.
“Como realizamos as batalhas segunda à noite, não é todo mundo que consegue ir presencialmente. Com as transmissões, ampliamos nosso público. Como postamos todas as batalhas, todos os dias recebemos novos visitantes em nossos vídeos”, relata Victor Guilherme, diretor comercial da Batalha da Aldeia.
Profissionalizadas, as batalhas atraem cada vz mais patrocinadores. O mercado publicitário está sempre precisando falar com jovens. Rolam novas conexões, como a transmissão simultânea em diversos canais, como a recente parceria com o Podpah.
Na Batalha da Aldeia, o valor da premiação e da ajuda de custo dobrou. É a cena alimentando a cena. "Essa mídia realimenta e fortalece o ecossistema todo”, resume Victor Guilherme.