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Brasil criou campos de concentração para vítimas da seca

Eles foram construídos no Ceará nas secas de 1915 e 1932. Chegaram a reunir mais de 70 mil pessoas, em péssimas condições

12 set 2024 - 09h02
(atualizado às 09h13)
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Resumo
Enquanto a maior seca brasileira atinge 1.400 municípios, o Visão do Corre lembra dos campos de concentração criados oficialmente nas secas do século passado. Neles, milhares de esfomeados morriam de doenças e de fome, embora recebessem o mínimo de comida e água. Com o mesmo nome e tendo valas comuns, como no nazismo, os campos de concentração brasileiros, anteriores aos alemães, não eram de extermínio.
Famintos aglomerados na estação de Iguatu-CE em 1932 esperando o trem para Fortaleza.
Famintos aglomerados na estação de Iguatu-CE em 1932 esperando o trem para Fortaleza.
Foto: Ildefonso Albano

“No campo de concentração dos famintos, em Fortaleza, começou a surgir nas crianças uma epidemia de disenteria, que agora atingiu os adultos e chega a fazer 30 vítimas diárias”, noticiou o jornal A Lucta em janeiro de 1916.

A expressão “campo de concentração”, comum na imprensa da época, e assustadora hoje em dia, era usada para identificar, no Ceará, locais onde vítimas da seca, vindas do interior, eram amontoadas aos milhares, recebendo o mínimo de água e comida.

Antes do nazismo criar os seus, os campos de concentração brasileiros existiram durante duas secas históricas. Em 1915, foi criado o primeiro, do Alagadiço, onde hoje é o bairro São Gerardo, em Fortaleza. Na seca de 1932, sete campos de concentração chegaram a aglomerar mais de 73 mil pessoas.

“A principal diferença é que no Brasil não se tratava de campos de extermínio, como na Alemanha nazista”, explica o historiador Robério Santos. Ele é autor do livro 77.15.32, recém-lançado, cujo título indica os anos de três secas históricas, 1877, 1915 e 1932.

A família de Salustiano Alves Bezerra. Campos de concentração juntaram milhares de pessoas fugindo da seca.
A família de Salustiano Alves Bezerra. Campos de concentração juntaram milhares de pessoas fugindo da seca.
Foto: Ildefonso Albano

Três secas históricas

A seca de 1877 durou até 1879 e foi chamada de “a seca dos mil dias”. Deixou meio milhão de mortos no Nordeste. Não houve campos de concentração, nem nas secas seguintes, até 1915, quando surgiu o primeiro.

Como os flagelados viviam em barracos, praticamente não sobraram vestígios dos campos de concentração, exceto na cidade de Senador Pompeu. O patrimônio arquitetônico tombado pelo estado e pelo município foi construído por ingleses, antes da seca de 1932.

Com praticamente a mesma quantidade de flagelados de Senador Pompeu, cerca de 16 mil pessoas, havia o campo de concentração de Buriti, no Crato.

Em Cariús estava o maior, com mais de 23 mil esfomeados.

Tabela publicada em 20 de junho de 1932 indica os locais e quantidades de pessoas nos campos de concentração da seca daquele ano.
Tabela publicada em 20 de junho de 1932 indica os locais e quantidades de pessoas nos campos de concentração da seca daquele ano.
Foto: Reprodução

O cotidiano nos campos de concentração

Os campos de concentração foram criados preferencialmente perto da linha férrea, para facilitar o transporte; próximos de fontes de água, como açudes e rios; e longe das capitais e seus centros. Eram criados, fechados e recriados conforme a chuva e as estruturas disponíveis.

Maus tratos, fome, sede, doenças intestinais, tifo, sarampo, e sobretudo a varíola, a “peste da seca”, matavam os sertanejos diariamente nos campos de concentração. Não havia caixões, nem condição de fazer um enterro cristão. Os corpos eram despejados em valas comuns.

Em 1932, “os dois menores campos de concentração eram na capital cearense, o que prova que os ricos não queriam os pobres perambulando pelas ruas”, diz o historiador Robério Santos, que visitou locais onde funcionaram campos de concentração.

Ruínas tombadas em Senador Pompeu. Construções são os últimos resquícios arquitetônicos dos campos de concentração.
Ruínas tombadas em Senador Pompeu. Construções são os últimos resquícios arquitetônicos dos campos de concentração.
Foto: Prefeitura Senador Pompeu

Segundo ele, era comum encontrar pessoas mortas nas ruas e nas margens das linhas do trem. “Valas coletivas eram abertas e pessoas do próprio campo trabalhavam levando os mortos todos os dias”.

Na área que se tornou o cemitério de Patu, a estimativa é de que existam entre 10 e 12 mil pessoas enterradas. Relatórios oficiais citaram casos de canibalismo.

Campos de concentração foram bons e ruins

Os homens que tinham condição de trabalhar, eram levados para a construção de estradas, linhas férreas e abertura de açudes, recebendo baixos salários ou apenas comida. “Passavam o dia no canteiro de obras, trabalhavam em uma condição quase de escravidão”, diz Robério Santos.

Após a chegada da chuva, muitos continuaram em Fortaleza, criando verdadeiros bolsões de pobreza. Santos conversou com sobreviventes da seca de 1932. Alguns relataram o terror de um lugar cheio de doentes, comida insuficiente e mortes. Outros eram gratos pela ajuda que os manteve vivos.

Historiador Robério Santos nas ruínas do campo de concentração do Patu, em Senador Pompeu, tombadas pelo município e pelo estado.
Historiador Robério Santos nas ruínas do campo de concentração do Patu, em Senador Pompeu, tombadas pelo município e pelo estado.
Foto: Arquivo pessoal

“Em meu livro, tentei equilibrar esses dois pensamentos, pois não temos como saber exatamente a verdadeira expressão de terror que foi tudo aquilo”, diz Santos.

Ele foi consultor da série Guerreiros do Sol, que a Globoplay exibirá em 2025, sobre o cangaço, e que mostrará um dos campos de concentração. O filme Currais, de 2019, é outra fonte recente.

Quem preferir uma referência literária clássica, encontrará no romance O Quinze, de Rachel de Queiroz, publicado em 1930, a expressão “campos de concentração” citada oito vezes. Trata-se de uma citação com base na extrema realidade.

Fonte: Visão do Corre
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