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Ciclistas do Grajaú usam ecoturismo para promover maratonas

Desde 2015, o coletivo Marcha Lenta se reúne para treinos e competições na Ilha do Bororé, localizada no extremo sul de São Paulo

11 out 2022 - 05h00
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 Integrantes em frente à sede do Marcha Lenta
Integrantes em frente à sede do Marcha Lenta
Foto: Isabela Alves/Agência Mural

“Tem coragem? Bora? Bora”. Foi com essa brincadeira que o autônomo Jarbas Rogério Paz, 36, criou o Marcha Lenta – equipe que reúne ciclistas amadores do Grajaú, distrito do extremo sul de São Paulo. A história do coletivo começou em setembro de 2015, quando ele comprou uma bicicleta em uma loja do bairro e passou a pedalar com a família.

O que era um divertimento entre os familiares – com a ex-esposa, o irmão, a mãe e o esposo dela –, se expandiu para fora do distrito e hoje a equipe organiza passeios de bike em outras cidades e estados. “De início, todas as pessoas foram chamadas a dedo por mim e depois o negócio foi crescendo”, diz.

Com o tempo, outros membros começaram a se juntar ao grupo através das redes sociais. Para incentivá-los, Jarbas criou o “Corrida de Casais”, um campeonato de bike entre a primeira e a segunda balsa da Ilha do Bororé, bairro pertencente ao Grajaú. O trajeto tem cerca de 6,6 km e teve a participação de 13 duplas na primeira edição em 2018.

O fundador também idealizou outras três competições e sempre presenteia os participantes com medalhas que ele mesmo produz. No último evento, o “Rachão da Amizade”, em 2022, participaram mais de 200 pessoas.

O grupo se define como “livre”, ou seja, os ciclistas treinam e participam das maratonas de acordo com os horários que conseguem. Alguns participantes saíram do Grajaú, mas criaram núcleos em outros estados.

"Tem um rapaz que veio da Bahia para cá em uma circular [tipo de bicicleta] e daqui ele foi para a Argentina. Depois ele voltou para São Paulo e agora está em Minas Gerais a caminho da Bahia de novo”, conta Jarbas, com empolgação. Em todo o percurso, esse ciclista fez aproximadamente 7 mil km.

O coletivo Marcha Lenta também passou a fazer a confecção de camisetas nas cores verde e roxo para identificar a equipe. “O primeiro pacote com as camisetas foi feito para um grupo de 20 pessoas”, lembra o fundador. Agora, há participantes e ex-participantes que levam a “marca” até outros países, como Paraguai, Estados Unidos, Portugal, França e Canadá.

O grupo  aponta o ecoturismo como uma solução para o ciclismo nas quebradas
O grupo aponta o ecoturismo como uma solução para o ciclismo nas quebradas
Foto: Arquivo pessoal

Experiências com ecoturismo

Os integrantes do Marcha Lenta afirmam que muitos ciclistas iniciantes se deixam enganar pela quilometragem no momento de se inscreverem para uma maratona. 

“Um amigo nosso do Jardim Ângela [zona sul de São Paulo] disse que [pedalava] no bairro dele e que aguentaria de boa o percurso entre as duas balsas. Um pouco depois ele já estava com a língua para fora e empurrando a bike”, conta Jarbas.

Isso ocorreu porque existe uma diferença entre fazer o percurso em uma ciclofaixa em linha reta, como era o caso dele, e enfrentar um caminho com mais desafios, como as estradas de terra e ladeiras.

A advogada Karina de Brito, 32, sentiu isso na pele. Nascida em uma família de ciclistas, ela perdeu a prática ao chegar na vida adulta e retornou ao pedal recentemente. Em uma tarde com uma amiga, ela decidiu fazer o percurso entre as duas balsas com uma speed – bicicleta com o pneu mais fino e liso, que é própria para atletas. 

“Conhecia o trajeto de carro. Com a bicicleta parecia que eu ia chegar no Japão, mas não chegava na segunda balsa”, relembra com bom humor.

No início do coletivo, todo o grupo pedalava em locais com matos ou nas estradas de terra do Grajaú. Agora, o percurso se modernizou com o Rodoanel Mário Covas.

“A [avenida] Belmira Marin nunca foi uma opção para nós. É extremamente perigosa, tem muitos buracos e poucas calçadas. E aqui [no bairro] também não tem espaço para colocar ciclofaixa, nem adianta. A gente foca mesmo no ecoturismo”, explica o autônomo Paulo Giovani, 40, irmão do fundador.

A vida dos ciclistas é feita de aventuras, mas também de improvisação. Em uma experiência, Paulo fez um pedal em uma Caloi 10 e o quadro [eixo da bicicleta] quebrou no meio do caminho. Ele vinha empurrando a bicicleta quando achou um pedaço de metal no meio do mato e uma porca que dava para remendar a parte quebrada.

“Foi um dos pedais mais difíceis da minha vida. Quando era subida, eu conseguia ir de boa, mas na reta ou descida eu não tinha pedal”, diz. Mas, para ele, toda experiência é um grande aprendizado.

Da esq. para a dir.: Jarbas Rogério Paz ao lado de Karina de Brito e Paulo Giovani
Da esq. para a dir.: Jarbas Rogério Paz ao lado de Karina de Brito e Paulo Giovani
Foto: Isabela Alves/Agência Mural

Superação de limites

A primeira viagem do Marcha Lenta ocorreu quando Jarbas ainda andava de bicicleta apenas com a família. O destino foi o Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, no interior do estado de São Paulo, na época da tradicional romaria que ocorre todos os anos no mês de outubro.

O grupo foi com as bikes até Guarulhos, na Grande São Paulo, às 5h30 da manhã. De lá, foi feito um percurso de aproximadamente 180 km e mais de 9 horas de pedal. “O dia clareou e estava muito quente. A gente não tinha remendo [para os pneus], não tinha roupa e nem água. Pegamos muito sol e foi sofrido”, relembra Jarbas.

Aos 70 km de percurso, Jarbas passou mal e deitou no gramado. Por ser a época da romaria, muitas pessoas da cerimônia ofereceram ajuda e alimentação para que ele se recuperasse. Depois dessa experiência, ele aprendeu que não deve fazer o pedal de dia.

Com isso, começou a levar mais pessoas, mas dessa vez com a estrutura correta e com apoio de uma van ou carro com comida e água. Ter um veículo também é importante para os casos em que alguém se machuque durante a viagem. 

“Às vezes a pessoa está bem fisicamente, mas se ela machucar a coxa, como vai fazer? Já era o pedal para ela. A van está lá para a pessoa se recuperar até sentir que pode voltar a pedalar”, comenta. 

Integrantes do grupo com as medalhas após cumprirem o percurso até o Santuário de Aparecida
Integrantes do grupo com as medalhas após cumprirem o percurso até o Santuário de Aparecida
Foto: Arquivo pessoal

O grupo já fez o percurso para o Santuário de Aparecida um total de 10 vezes e os integrantes já estão preparados para a maratona em outubro deste ano. Os ciclistas iniciantes saem de van do Grajaú às 17h30 e começam o percurso da Rodovia Presidente Dutra.

Por ser uma via perigosa, eles levam muita iluminação. A adrenalina ajuda a se manter acordado durante a noite e o horário faz com que o ciclista não fique desgastado por causa do calor. A viagem em grupo ocorre apenas uma vez por ano.

“Muitos romeiros fazem o percurso a pé e muitos continuam andando com os pés sangrando. Mesmo com o cansaço, os ciclistas e pedestres se estimulam: ‘vamo que está chegando’. Quando a gente vê a Basílica, toda a vez é de arrepiar, independentemente da religião”, conclui Jarbas.

Agência Mural
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