Script = https://s1.trrsf.com/update-1731943257/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Como a música pode transformar a vida na periferia

Três profissionais contam como seus caminhos mudaram graças à presença da música em suas vidas

11 mai 2022 - 05h00
Compartilhar
Exibir comentários

A música proporciona para as pessoas possibilidades de mudança de vida, principalmente para os moradores das favelas do país, as quais sofrem com a falta de oportunidades de empregos e de estrutura educacional para os jovens.

De acordo com a pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva, em parceria com o Data Favela e a Central Única das Favelas (Cufa), em 2021, aproximadamente 17,1 milhões de pessoas vivem nas favelas brasileiras.

Muitos membros das comunidades precisam de um “caminho” de esperança, e é com essa intenção de ajudar jovens carentes que projetos sociais de música fazem parte de diversos bairros de Salvador, capital baiana, como é o caso do projeto de percussão “O Som do Amor”. 

Para os estudantes Caleb Gonçalves Carrera, de 16 anos, e Isaque Riquelme, de 12 anos, esse trabalho é muito importante na vida deles.

“O projeto me trouxe mais disciplina, me fez aprender melhor sobre a cultura baiana da musicalidade e percussão. O professor Elder Souza Grise [fundador do projeto] ensina disciplina e cultura, além disso, o projeto tem uma importância que posso ser algo a mais na sociedade e para minha família, ele me dá uma esperança de viver da música”, diz Caleb, que está há quase dois anos no projeto.

Já Isaque, que é filho de Elder Grise, diz que o projeto social transformou a vida dele, trazendo mais foco nos estudos e na percussão. 

O jovem de 12 anos conta que tem treinado bastante a percussão e, com isso, está fazendo apresentações e shows pela cidade de Salvador. “Eu já faço algumas apresentações e shows e ganho dinheiro também, isso é muito bom para mim.  Além de mim, meu pai também leva outros garotos para se apresentarem”.

De acordo com Isaque, os projetos são muito importantes para a comunidade, pois conseguem afastar os meninos da rua.

Elder Grise é o fundador do projeto social 'O Som do Amor'
Elder Grise é o fundador do projeto social 'O Som do Amor'
Foto: Ana Paula Grise

Projeto

Para o grafiteiro Elder Souza Grise, de 41 anos, morador do bairro Baixa de Quintas, a música é mais do que arte, é ferramenta de transformação social. “A música para mim vai além da arte, é também uma grande ferramenta de transformação. Em outras palavras, é a porta para levar pessoas a lugares altos na sociedade e na vida”, afirma.

Elder Grise, que é conhecido como Pitoco Grafite, criou o projeto de percussão “O Som do Amor” com a finalidade de oferecer ajuda aos jovens que não recebem apoio e incentivos.

“Minha iniciação na música [na percussão] foi aos 38 anos, quando decidi então montar um projeto social para que eu pudesse dar a oportunidade a jovens que não tiveram apoio, ou incentivo, para ter uma vida melhor. Eu não tive oportunidades, com isso queria ajudar a comunidades oferecendo um ‘caminho’ de esperança”, diz.

Ele explica que quando montou o projeto não sabia quase nada de percussão, aprendeu com o passar do tempo.

“Quando montei o projeto eu não sabia quase nada de percussão, já que eu não sabia tirar uma nota no timbau, não sabia tempo musical, eu não sabia muita coisa, não. Só aquele básico que a gente já cresce na Bahia, com aquela pequena noção de batuque, mas batuque não percussão. Batuque é brincar, no entanto, tocar percussão é executar com notas, tempos, contratempos. À medida que o projeto foi acontecendo, fui aprendendo com os músicos voluntários, pois na ausência deles eu os substituiria nas aulas. O ensaio não poderia parar”, revela.

Grise disse que, por ser um grafiteiro há 28 anos em Salvador, já pintou para vários artistas da música baiana e brasileira, fez muitas amizades no meio musical e com isso conseguiu doações de tambores e instrumentos.

“Assim nasceu o projeto social de percussão, ‘O Som do Amor’, através de doações de tambores e instrumentos de percussão por parte de músicos percussionistas de bandas renomadas, como Márcio Brasil [músico de Ivete Sangalo], Cláudio Morotó [percussionista de Tatau], Alan Toreba [músico de Saulo Fernandes]”, conta agradecido.

Depois das doações, o projeto começou a funcionar na rua aos sábados, ensaiando com jovens que chegavam para aprender. “Começamos na rua mesmo, na comunidade, aos sábados, ensaiando com jovens que chegavam para aprender. Eles ficavam encantados com o som dos tambores”, lembra.

Muitos dos instrumentos foram doações de outros músicos
Muitos dos instrumentos foram doações de outros músicos
Foto: Ana Paula Grise

E foi através das amizades de Elder que o projeto teve, e ainda têm, muitos voluntários músicos como professores. 

“Essas amizades são tão importantes que fazem parte do projeto. Os meus amigos músicos viraram voluntários no projeto. Eu só precisava ligar e convidar para eles participarem”, diz.

O músico destaca que o trabalho vem ajudando as comunidades através da mudança de comportamento de vários jovens e também ganhando notoriedade por causa dos ensaios e visitas de artistas ao bairro, levando cultura e lazer por um dia nas comunidades.

Atualmente, o protejo conta com cerca de 25 jovens e, depois de dois anos de ensaios na rua, as aulas de percussão passaram a acontecer em uma escola no bairro de Caixa D'água, sempre aos sábados e domingos.

Para se matricular, o interessado deve comparecer na escola com autorização dos pais ou responsáveis. O fundador de “O Som do Amor” ressalta que a vida escolar dos alunos é monitorada pelo projeto. Para entrar no grupo, o aluno tem que ter a partir de 8 anos de idade.

Atualmente, o projeto atende cerca de 25 jovens
Atualmente, o projeto atende cerca de 25 jovens
Foto: Ana Paula Grise

Elder enfatiza que passa por algumas dificuldades para manter o projeto, pois não tem apoio financeiro de órgãos públicos ou privados.

“Essa é nossa maior dificuldade de manter um trabalho dessa proporção e grandeza. Nosso desafio é conseguir apoio governamental um dia e assim suprir todos os alunos e participantes com remunerações simbólicas, com ajuda de custo e material escolar por conta do projeto. Queremos ser um braço forte para várias famílias na nossa comunidade”, pontua.

Rap como esperança

Além dos projetos sociais, jovens da capital baiana buscam na música uma oportunidade de melhorar a vida, como por exemplo o rapper Iago Victor França dos Santos Soares, de 22 anos de idade, que canta rap há 3 anos.

Para ele, a música é muito importante para as comunidades carentes, pois ela oferece esperança para aqueles que não têm condições financeiras.

“Sabemos que muitos de nós, principalmente nos dias de hoje, não acreditam no próprio potencial, porém, a música na comunidade serve como uma forma de esperança, que assim como um artista que veio de baixo conseguiu conquistar algo na vida, qualquer um, se tiver vontade, força e foco, também pode, seja no meio musical ou em qualquer outra área da vida.”

Iago Soares é rapper há três anos
Iago Soares é rapper há três anos
Foto: Pedro Nepomuceno

Iago Soares, que mora na comunidade de Pirajá, diz que é um homem sonhador e deseja crescer na vida com as canções para poder ajudar a família e outras pessoas, nem que seja apenas com palavras.

A música tem grandes significados na vida de muitas pessoas, e isso não é diferente com o rapper.

“Eu enxergo a música dessa maneira: às vezes estamos em um dia triste, [mas] quando escutamos algo que agrada nossos ouvidos, automaticamente ficamos felizes. Portanto, é através da música e suas melodias que conseguimos passar sentimentos que às vezes apenas com palavras talvez não seria possível passar; seja alegria ou tristeza, de qualquer forma é mostrar que existe vida.”

Iago conta que antes da música era um menino tímido, com vários pensamentos sobre tudo, porém tinha medo de se expressar. Ele revela que o primeiro contato que teve com o rap foi através do falecido tio.

“Na época eu tinha 10 anos de idade, escutei as melodias, o ritmo e me identifiquei, então comecei a pesquisar mais sobre o rap, conheci as batalhas de rima, então a partir daquele momento eu me apaixonei pelo gênero musical”, lembra.

O cantor faz questão de explanar que a música o ajudou como indivíduo, pois se transformou em uma nova pessoa, cheia de sonhos e esperanças. “Comecei a entender coisas que são realmente necessárias para nossa vida, como acreditar em si próprio. Se não fosse a música na minha vida, acho que seria muito mais difícil para me encontrar”, conta.

O jovem é muito grato à família e aos amigos pelo apoio que recebeu nesses anos de carreira. “Minha família e meus amigos, que estão nesse mesmo caminho musical, todas essas pessoas são referências para mim na vida, e são uns dos principais motivos para criar forças e continuar nessa correria da música”, afirma.

Iago Soares acredita que a música tem o poder de mudar a vida das pessoas: “o indivíduo pode se ‘influenciar’ a partir de uma determinada situação que ele(a) se identifique. Então, a pessoa começa a achar respostas para a situação que estava há muito tempo querendo uma solução”.

O artista fala que umas das maiores dificuldades no mundo da música é a falta de valorização e de empresários.

“A dificuldade principal é quando um artista independente não conhece muitas pessoas que podem te ajudar em um projeto, além de também a gente não ter um empresário para nos guiar em uma carreira sólida. Além disso, ainda tem a questão psicológica, pois temos que saber lidar com críticas negativas”, desabafa.

Ele faz questão de falar que sua maior conquista no meio da música foi ter o reconhecimento da família e dos amigos. “Todos aqui me veem como o artista que sou, boa parte do meu bairro começou a me tratar como um artista, isto é, a maior conquista foi o reconhecimento”.

O jovem diz que o rap é uma ferramenta de protesto, pois mostra o poder e a grandeza através da voz: “vivemos em um país muito desigual e precisamos lutar para revolucionar e fazer uma nação mais igualitária para todos”.

Iago Soares vê o rap como ferramenta de protesto
Iago Soares vê o rap como ferramenta de protesto
Foto: Renato Silveira

O rapper ainda enfatiza que o gênero pode ajudar os jovens das comunidades por meio das mensagens. “O rap fala muito sobre a realidade do mundo, de sonhos e conquistas, então os jovens podem se identificar e quererem ser uma pessoa diferente a cada dia”, destaca.

Ele explica como é o processo de criação de músicas e aponta que tudo depende do momento pelo qual está passando.

“Depende muito do que está se passando no meu cotidiano, algum acontecimento ou um livro que estou lendo. Ou seja, se estou feliz ou triste, tudo isso influencia sobre o que eu vou escrever”, esclarece.

O jovem conta que criou um grupo de rap junto com os amigos do bairro, o Radicalize Mcs. "Nossa primeira música foi lançada em 2019, porém criamos o grupo em 2018. A nossa maior conquista no coletivo foi conseguir cantar na festa Labatut, uma festa de pagode da nossa região, e fomos os primeiros a cantar rap em um evento de pagode para mais de 1.500 pessoas”, fala alegremente.

Música no sangue

“Acredito que a música, quando integra a formação básica de um indivíduo, agrega muito nas perspectivas. Ela faz um indivíduo ampliar seus horizontes, a forma de pensar se amplia, a conscientização histórico-social se expande no que tange: ouvir, refletir e compreender”, fala o violonista Ruan de Souza, 34 anos, morador do bairro de Sussuarana, de Salvador, Bahia.

Ele já tem 17 anos de carreira como músico e diz que a música é tudo em sua vida, pois ela sempre fez parte de seu cotidiano. “Desde que eu fui formando as minhas opiniões, o meu caráter e sendo integrante da sociedade, a música já estava comigo o tempo inteiro. A música faz parte do meu cotidiano desde cedo”, conta.

O músico diz que começou a tocar entre os 11 e 13 anos. Na época, morava em uma casa no bairro da Liberdade e brincava muito com os dois irmãos e primos com os instrumentos que tinham.

A música faz parte da vida do violonista Ruan de Souza desde cedo
A música faz parte da vida do violonista Ruan de Souza desde cedo
Foto: Diego Rosa

Depois do primeiro contato com os instrumentos, o pai de Ruan tentou ensinar os dois irmãos mais velhos a tocarem violão, mas eles desistiram de aprender.

“Meu pai tinha um violão em casa e sempre tocava nos finais de semana, e queria que a gente aprendesse a tocar. Ele foi ensinar aos meus irmãos mais velhos, porém desistiram de aprender. Quando foi a minha vez, ele olhou para mim e ignorou, disse que nem ia tentar comigo, porém eu falei: ‘eu quero, meu pai.’ Então, ele escreveu no papel todos os acordes e treinei. Naquela ocasião eu tinha 13 anos e não tinha acesso a computadores e nem internet”, lembra.

Outro momento que o violonista faz questão de lembrar foi quando ensinou um deficiente visual a aprender a tocar o violão.

“Na época, um rapaz lá da rua perdeu 100% da visão, com isso, a vizinha, uma amiga, me chamou para ensiná-lo. Ela tinha dado um violão para o deficiente visual e me pediu que o ajudasse. Então, tudo que aprendi com os papéis que meu pai anotou, eu ensinava para ele”.

Com o passar do tempo, o jovem começou a participar de bandas e buscar conhecimentos. Ele prestou vestibular com 17 anos de idade e passou na Universidade Federal da Bahia (UFBA) no curso de instrumento (violão).

Ruan de Souza é violonista por formação, compositor, professor e produtor musical. Ele diz que trabalha em várias ramificações do mercado da música.

“Sou produtor musical no que tange gravação. Sou compositor na área instrumental e tenho várias parcerias de música com letra. Trabalho na área de show e na área da gravação sendo produtor. Além disso, sou professor de música também”.

Ruan de Souza é violonista, compositor, professor e produtor musical
Ruan de Souza é violonista, compositor, professor e produtor musical
Foto: Ruan de Souza

O que levou Ruan de Souza, ainda jovem, a acreditar que poderia aprender a tocar violão foram as críticas de muitas pessoas, entre eles, de amigos e dos irmãos. “Desde quando eu estava na fase em que não tinha o domínio técnico sobre o violão, meus irmãos e amigos me criticavam, falavam que eu era muito ruim e que eu não tinha habilidade”.

Porém, o violonista faz questão de ressaltar que essa falta de apoio foi o maior incentivo que teve para provar que era capaz de superar todas as críticas.

“Para uma pessoa que não aceita a ‘perda’ e que gosta de vencer é excelente, porque foi o meu maior apoio, era o que me dava mais força para eu continuar. Dei 'um tapa sem mão' nas críticas”, fala firmemente.

Apesar das críticas, ele recebeu incentivos da mãe e de alguns amigos que foi ganhando ao longo da carreira. “Todos os amigos que se aproximaram e me apoiaram foram importantes, além do apoio de minha mãe”, lembra com gratidão.

Com a família sem poder aquisitivo, de baixa renda, ele conta que foi um jovem tranquilo, que não dava trabalho à mãe, pois sempre foi um bom menino na escola.

“Minha mãe permitia que eu ficasse com o violão. Eu ficava o dia todo. Essa parte toda da minha adolescência até perto do vestibular só tinha um violão, o tonante de meu pai. A minha família não tinha poder aquisitivo sobressaliente para me dar um outro ou novos instrumentos. A gente vivia ‘cambaleando’ na vida”, revela.

Ele diz que a música nas comunidades traz perspectivas e a possibilidade de gerar mais um caminho profissional para as pessoas.

“Sou um profissional que vivo da música. Comecei a ganhar dinheiro ainda adolescente tocando com bandas. Após a maioridade, já na faculdade, comecei a atuar como educador musical e, depois da graduação, não parei mais. Tudo disso aconteceu por causa da música”.

O violonista conta que tem algumas músicas que fez sozinho e possui outras com diversos parceiros, mas o foco é a música instrumental, pois já tem sete canções publicadas. “Foco mais na música instrumental e para se inspirar para fazer músicas primeiro eu preciso ter um porquê e o motivo”.

Souza fala das conquistas que ganhou e cita que a primeira é ter uma profissão que ama: a música. Além disso, conseguiu alguns prêmios e teve classificações em festivais importantes.

Mesmo com as conquistas, as dificuldades também existem, como explica o violonista. “A maior dificuldade é o artista conseguir se manter como músico para o seu sustento, muitos colegas precisam fazer outras coisas para poder sobreviver”, pontua.

Entretanto, ele dá uma sugestão para quem está passado por essa dificuldade: “minha dica é que você ramifique o máximo que puder no mercado da música, por exemplo, toque, porém faça gravações. Se sabe tocar instrumentos, crie arranjos e tente compor também, além disso, aprenda a gestão de pessoas para fazer direção e produção musical.”

Ele ainda manda uma mensagem para as pessoas que querem ingressar no mercado musical: “venha para esse mundo com toda a sua vontade como verdade e não tente se maquiar em outros seres, faça o que lhe é conveniente. Estude e se instrua para fazer a música com boa qualidade, agregadora e ambiente mais saudável.”

ANF
Compartilhar
Publicidade
Seu Terra












Publicidade