Conheça Rayssa Dias, pioneira do brega funk pernambucano
Artista vem ganhando projeção e quer mais espaço, para ela e outras mulheres, em uma cena predominantemente masculina
Ela canta, compõe, atua, performa e protagoniza uma carreira pioneira dentro do movimento cultural ainda dominado por homens. Aos 29 anos de idade e nove de carreira solo, Rayssa Dias, cria de Salgadinho, periferia olindense, considera o movimento brega funk um potência sociocultural que transforma vidas, incluindo a dela.
MC Rayssa: era assim que, aos 12 anos, a menina que sonhava com os grandes palcos era chamada, quando escreveu sua primeira música, premiada. “Minha primeira canção foi Doce Ilusão, sempre fui muito apaixonadinha, sempre escrevi poemas e letras românticas. Quando as pessoas me ouviam cantar, ficavam pedindo para eu cantar mais”, lembra.
Seu primeiro desejo profissional era se tornar jogadora de futebol. Acabou virando hobby. No entanto, desde muito novinha Rayssa demonstrava afinidade com outras paixões, a escrita e a música. Cresceu na igreja, onde exercia o dom de cantar. Em um projeto social na comunidade, teve oportunidade de aprofundar o contato com a cultura e as artes.
Fez aula de canto, flauta e teatro. Aos 20 anos, a filha de dona Terezinha retornou ao projeto como professora, dando aulas de direitos humanos e cidadania para crianças e adolescentes. Em paralelo, investia na carreira artística.
Uma mulher no meio dos homens
Foi através do brega romântico que a artista se revelou como cantora, interpretando canções de nomes como Michelle Melo, Priscila Senna, Tayara Andreza e muitas outras protagonistas do brega romântico de Pernambuco. Rayssa participou de um grupo musical formado apenas por meninas, mas foi o brega funk que chamou a artista com mais impulso.
Rayssa acompanhou de perto o surgimento e crescimento do movimento brega funk pernambucano. Seu talento era notado dentro da cena, mas, muito no lugar de coadjuvante, em um contexto majoritariamente masculino. “Eu comecei a andar junto com o pessoal que estava nesse movimento, meus amigos que eram MCs me chamaram pra fazer algumas músicas”.
Suas companheiros passaram a ser artistas como Dany Bala, o primeiro produtor de brega funk de Pernambuco, tendo também contato com Sheldon, MC Leozinho, Dadá Boladão, MC Tocha. “Desde então, fui a única mulher naquele meio. Notar isso foi importante para minha carreira artística.”
Protagonismo e empoderamento feminino
“Homem escroto não tem perdão/ Nem dá tapinha na minha bunda/ Quando eu chegar no baile/ Sentando e quicando/ Tu fica na tua/ Se tu não respeitar/ A ideia é uma só/ Tarado aqui no baile nós passa o cerol.”
Esse é um trecho da música Fica na Tua, primeiro brega funk lançado pela cantora. A letra explicita a indignação de ter presenciado um episódio de assédio sofrido por uma amiga enquanto dançavam em um show.
“O cara justificou que ela estava com roupa curta e dançando muito. Eu precisava fazer alguma coisa com aquela revolta. Essa foi a forma que eu encontrei para mostrar que a mulher pode estar onde ela quiser e do jeito que ela quiser. Isso não autoriza o homem a agir como bem entende”, afirma.
Vários outros hits foram lançados por Rayssa Dias, sempre com a preocupação de promover o empoderamento e o protagonismo feminino, fortalecendo a identidade das pessoas da sua comunidade periférica. O desejo pulsante é ocupar cada vez mais espaços e abrir caminho para outras mulheres.
Pegando Fogo tem clipe e marca nova fase da carreira
O projeto mais recente da artista, Pegando Fogo, marca nova fase artística e representa um marco significativo na cena cultural, quebrando os padrões heteronormativos ao promover a representatividade LGBTQIAP+.
Realizado em parceria com o produtor audiovisual Ronny Colors, a diretora de fotografia Jezz Maia e o produtor musical ED Wav, o clipe de Pegando Fogo é "um hino vibrante de liberdade". Rayssa divide a cena com Tayane Bernardo da Silva, companheira na vida e na arte, que também atua como sua stylist.
Solaria, como ela é mais conhecida, ficou apreensiva no início, mas depois curtiu o processo e o resultado do trabalho. “Foi um desafio pra mim, porque sou muito tímida. Até o momento das gravações, eu não iria atuar, mas decidimos fazer e deu super certo. Ficamos à vontade e fluiu. Por fim, recebemos chuvas de elogios”, comemora.
Rayssa Dias vem ganhando cada vez mais notoriedade e é um nome presente em grandes palcos e festivais, locais e nacionais, como o Rec Beat, Yahoo Festival, Favela Sound, Afropunk Bahia, entre outros. A cantora participou também do documentário The Beat Diáspora, no canal da Kondzilla. “Fiquei muito feliz pelo espaço e oportunidade de falar um pouco sobre minha trajetória no brega funk e poder mostrar como esse movimento está mudando minha vida”, diz Rayssa.
Afinal, o que é o brega funk?
O brega funk, ritmo que surgiu nas periferias do Recife, nasceu da junção de grandes potências culturais. Fortemente influenciado pelo brega romântico pernambucano, ele mescla elementos do tecnobrega, gênero popular no Norte do Brasil, com o funk carioca, criando uma sonoridade muito dançante.
No entanto, o brega funk é muito mais que um ritmo com batidas aceleradas e letras provocativas e irreverentes, que nasceu nas festas e bailes da capital pernambucana. Em 2021, o movimento passou a ser considerado Patrimônio Cultural Imaterial do Recife, reconhecendo assim seu potencial sociocultural, político e econômico, que muda a vida de pessoas e seus territórios, promovendo reflexões sobre consciência social e cultura periférica.
As letras das músicas, sobretudo as de Rayssa, abordam questões do cotidiano, como relacionamentos, festas e a realidade das periferias, além de temas como autoestima e empoderamento. Em suas redes sociais, ela tem contado essa história numa perspectiva de quem vive o movimento, através do projeto Reall Brega Funk, série de vídeos produzidos de maneira independente.