Crítica: Filme de Bob Marley faz a cabeça, mas não muito
Narrativa regueira é competente, só não altera frequência cardíaca, nem lacrimeja os olhos. Mesmo convencional, vale ver
Filme biográfico One Love, sobre momento decisivo da vida e carreira de Bob Marley, é sucesso mundial. Algumas cenas chamam a atenção porque poderiam ser mais críticas; outras, pegam leve em temas polêmicos. Competente, não é uma obra prima, mas merece ser visto.
O filme é legal, beleza? One Love, sobre o auge de Bob Marley, vale as duas horas de cinema. A receita do roteiro não é ousada, mas competente; o protagonista interpreta bem o ídolo do reggae, aprendeu seus trejeitos, é gato; a trilha sonora, inevitavelmente, faz a cabeça; e o resto todo funciona na narrativa regueira, como a alternância entre o passado e o presente da história.
Bob Marley continua monstro, mastro, astro, e nada do que eu escrever aqui pretende mudar tal evidência. Mas daí a alardear que o filme é acachapante? Daí a ser sucesso mundial, batendo recordes de bilheteria? Tá, tudo bem, nem precisa ser o melhor da temporada, é entretenimento, só pra relaxar.
Mas mesmo assim, não posso deixar de dizer, se me permitem, que algumas passagens incomodam porque atenuam aspectos realmente críticos e potencialmente revolucionários. Começa pela própria maconha, que continua tabu.
Ela aparece no filme de ponta a ponta, uns baseados enormes, de socar com o dedo, mas que não incomodam, não questionam, e de tanta fumaça, você acaba esquecendo que ela é proibida, dá cadeia, justifica políticas repressivas inúteis e letais contra os pobres, pretos etc. Bob Marley, se não me engano, falou desses bloqueios policiais às três horas da tarde, pedindo documentos.
Era só uma observação. Posso fazer outra? Trata-se da passagem pontual, capaz de se desmanchar no ar em quase duas horas de filme, mas que permaneceu em minha mente, provocando reflexões.
Em uma festa em Paris, Rita e Bob Marley discutem. O astro do reggae não gostou de ver sua mulher conversando com outro homem. A tretinha começa no salão e termina na calçada, onde ela faz o desabafo comum a incontáveis mulheres cujos maridos alcançam fama e fortuna e esquecem o quanto elas são, foram e serão fundamentais para a glória alcançada.
Ela desanca o rei do reggae: lembra que ficou sozinha cuidando dos filhos, tanto das crianças que teve com Bob Marley, quanto das que ele teve com outras mulheres; cuidou das finanças; está sempre pronta a ser esteio emocional; faz backing vocal na banda. Diante da ingratidão, Rita Marley sai andando, e penso que foi fina por não ter mencionado o tiro que tomou na cabeça em atentado contra o marido.
No finalzinho, ao mostrar o show histórico em que Bob Marley junta as mãos de políticos jamaicanos oponentes, dois homens brancos, achei sacanagem a passagem ser tão rápida. Dá pra informar, ao menos, quem são eles, neste filme de ótimas legendas? Parece que alguém pode ser flagrado e está querendo esconder alguma coisa. Uma contradição, talvez, para evitar o flagrante.
Vemos ainda, sem ser explicitada, a relutância de Bob Marley em enfrentar o tratamento do câncer, postura que, me desculpem, depois da covid, chama-se negacionismo e é inaceitável. Quem tinha razão era Jah, não o médico. Ora Bob, faça-me o favor!
Mas, tirando esses detalhes, o resto é ótimo. Sério, eu gostei, só não saí do cinema desorientado, como acontece depois de assistir a filmes realmente grandiosos. Pra resumir e fechar, eu só queria ter dito, na moral, que o filme não é rebel music. Só music.