Eduardo Kobra: do Jardim Martinica para os cinco continentes
Considerado um dos maiores muralistas do mundo, Kobra conta como foi o início da carreira
O encanto de Eduardo Kobra, 47, com o mundo das artes começou bem cedo. “Desde os primeiros contatos que me lembro com quadrinhos, caricaturas ou de ver alguma ilustração, eu já me sentia muito conectado. Era como se fosse mesmo uma vocação”, lembra o artista.
Hoje considerado um dos maiores muralistas do mundo, Kobra carrega o recorde de maior mural já grafitado na história: a obra Cacau com 5,7 mil m2, que ocupa um paredão na rodovia Castello Branco, na Grande São Paulo. No começo da carreira, no entanto, ele precisou se dividir entre dois empregos para conseguir pagar as contas.
“Não tinha grana para pagar a conta de água, de luz, meu aluguel e nem sequer os mantimentos na minha casa. E já morava sozinho com 17 anos, então você imagina a dificuldade. Eu querendo ir para essa área da pintura e não tendo condições sequer de bancar as minhas contas em casa”, diz.
Criado no Jardim Martinica, bairro periférico do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo, Kobra conta que batia de porta em porta nos comércios da região oferecendo suas ilustrações. “Ia nos pet shops, nas escolas... Não tinha vergonha nenhuma”, comenta. Nessa época, até o dinheiro para comprar a lata de spray faltava.
“Quando eu via um artista que pintava de spray era um luxo assim, né? Um glamour”. Para fazer os grafites nos muros onde passava, Kobra pintava os desenhos de cal e fazia apenas os contornos com o spray de cor preta.
Com o tempo, no entanto, os desenhos do muralista foram ganhando cada vez mais projeção. Um dos primeiros trabalhos a receber grande destaque foi o projeto Muro das Memórias, feito a partir de imagens antigas de São Paulo e pintado na avenida 23 de Maio, na zona sul.
“Quis dar uma uma roupagem que cria uma releitura dessas imagens históricas”, conta Kobra. As cenas grafitadas chamaram a atenção dos moradores da cidade e também da imprensa.
Os grafites realistas feitos a partir de fotografias foram se tornando parte da marca de estilo do muralista, assim como as cores fortes, as formas geométricas e a tridimensionalidade dos desenhos. Para ele, no entanto, a marca mais importante a ser percebida por quem vê as obras é a mensagem que elas transmitem.
“Uma parte do meu trabalho que ficou mais conhecida é essa que tem as cores, as imagens realistas e tudo mais. Mas para mim o mais importante hoje não é a pintura”, afirma. “A pintura é secundária. O mais importante é o significado, a mensagem, o porquê o trabalho foi feito”.
Kobra tem pinturas que falam sobre temas como meio ambiente, desigualdade e paz. Ele explica que quer provocar reflexão através das imagens, “algo que possa inspirar as pessoas a voltarem a sonhar, a encontrarem caminhos que muitas vezes se perderam ao longo das dificuldades do dia a dia”.
Com obras espalhadas pelos cinco continentes, o artista diz que não faz diferença entre pintar em uma comunidade ou em um muro nos Estados Unidos. Ele afirma que ainda se sente ligado ao bairro que veio, já que vários parentes e amigos continuam na região do Campo Limpo.
O muralista lamenta, no entanto, que crianças e adolescentes do local ainda tenham dificuldades para acessar o mundo das artes. Ele próprio entrou pela primeira vez em uma galeria de artes só depois de adulto e afirma que é triste perceber a falta de oportunidades para outros jovens.
“É um desperdício a gente poder estar na vanguarda desse movimento de arte de rua, o Brasil ser um dos países mais importantes e relevantes em relação a esse movimento, e a gente ver os artistas com pouquíssimas oportunidades”, diz.
Para incentivar crianças e jovens no caminho das artes, em 2019, Kobra decidiu criar uma galeria de arte dentro de um ônibus. Foi o projeto Galeria Circular, que circulou com uma exposição gratuita pelas periferias de São Paulo. Ele conta que pretende retomar o projeto, levando o ônibus para outras cidades do Brasil.