Em Belém, batalhas de rima ocupam periferia com sotaque local
Na capital paraense, vocabulário da periferia, rios e seres folclóricos povoam os versos. Mulheres ainda são minoria
Resistente há meio século, o hip hop continua se expandindo pelo Brasil. Enquanto o presidente Lula assina decreto de valorização e fomento e quer criar o Dia Nacional do Hip Hop, as batalhas de rima se espalham pelas periferias de Belém, onde é comum encontrar pessoas de todas as idades rimando nas praças, exaltando ritmos, o folclore e expressões típicas do Pará. O rico cenário ainda inclui poucas mulheres.
Os versos estão repletos de sotaques e gírias amazônicas usadas pela população em geral, além de expressões da periferia. Não faltam “égua”, que significa espanto, admiração; ou “pai d´égua”, sinônimo de algo bom, ótimo. São citados os rios Guamá e Tucunduba, que cortam a cidade de Belém, constantemente presentes nos ataques e contra-ataques das competições, e os personagens da floresta como Matinta Perera, Saci Pererê e curupira.
Batalhas são fortes nas praças das quebradas
Apesar de serem vistas em diversos pontos da cidade, a periferia é o local onde as batalhas são frequentes. A praça Benedito Monteiro, no bairro do Guamá, sedia uma das mais famosas competições, A Batalha do Fim. Completando um ano de existência, premia mensalmente MCs de diversos bairros e da Região Metropolitana de Belém.
O idealizador do evento, o pedagogo Jackson Soeiro, ou MC Patife, explica que, apesar do hip hop sofrer influências estrangeiras e da região Sudeste do Brasil, consegue se adaptar em todos os meios, é sua característica.
“Nosso hip hop exalta a cultura paraense através dos pontos turísticos, dos santos cultuados nos terreiros, das citações às congregações evangélicas. Quem vem de fora, consegue enxergar a valorização nas próprias rimas”, descreve MC Patife.
Outra batalha que se destaca nas periferias de Belém é a Batalha do Crematório. Uma vez por semana, sempre às quartas-feiras, jovens entre 18 a 25 anos, em sua grande maioria, vão à praça Dalcídio Jurandir, no bairro da Cremação, e transformam o local em um ringue de batalha.
Um dos seus organizadores, Bruno Cardoso, o MC Duende, ressalta que, além das expressões locais, o uso da gíria periférica paraense dá o tom. “A gente usa muitas referências amazônicas, de lugares, de rios. Também muita gíria, mais não só gíria paraense, e sim da periferia”, especifica.
A complexa questão do vocabulário das batalhas
Cada batalha estipula suas próprias regras. A Batalha do Fim tem em sua organização pastores evangélicos e opta por não utilizar xingamentos. Quem quiser ganhar, tem que caprichar no vocabulário. Segundo MC Patife, o objetivo dessa iniciativa é resgatar a função de protesto social que o hip hop tem, desde o seu surgimento.
“A grande maioria das batalhas do Brasil não cumpre estes critérios e foi perdendo o que o verdadeiro hip hop e a Batalha do Fim tentam resgatar. A gente trabalha com autoajuda e conscientização político-social. Os MCs entenderam: quando eles querem chamar palavrão ou serem racistas, homofóbicos ou até mesmo xingar a mãe do cara, eles não fazem”, conta.
Mesmo com as regras, Patife reconhece que não consegue evitar que ocorram certos xingamentos. Quando acontecem, o participante perde de 5% a 10% no valor da premiação, mas garante a liberdade artística. “A arte ultrapassa qualquer limite”, ressalta o organizador.
A Batalha do Crematório não tem essas regras. Palavrões e insultos pessoais são permitidos; porém, seus organizadores garantem que os participantes precisam ter prudência, para não serem desclassificados nas competições.
“A organização do Crematório preferiu não optar por regras, eles vão lá para se expressar, mas o rimador tem que ter bom senso no que vai falar”, explica MC Duende.
Um MC campeão
Influenciado pela mãe, Arthur Vinícius, o MC Vini7, cresceu ouvindo Racionais e artistas locais do hip hop. Inserido há cinco anos no cenário das batalhas paraenses, o morador do bairro do Condor, região periférica da cidade, venceu a última edição da Batalha do Fim e declara que, apesar da emoção da vitória, seguir com humildade é fundamental.
“Mais do que ganhar uma batalha de rima e ser respeitado na cidade, é alguém tocar na minha mão e dizer o quanto está grato por me conhecer. Aprendi isso com a minha mãe”, revela Vini. Desempregado há um ano e vivendo apenas do hip hop, ele reconhece a dificuldade de se manter economicamente, sobretudo pela falta de reconhecimento e o preconceito que as batalhas sofrem.
“Não dá para ganhar dinheiro com as rimas. Mas graças ao trabalho na rua e a persistência da galera, tá dando certo”. Focado, Vini7 tem o hábito de assistir campeonatos para se inspirar e alcançar a excelência nas batalhas. Além disso, sonha, um dia, disputar a maior batalha do país, a Batalha da Aldeia, em Barueri, Região Metropolitana de São Paulo.
“Para chegar na Aldeia, o reconhecimento ajuda muito, além das redes sociais. É muito difícil, imagina disputar com duzentos rimadores para ficar apenas 16. Mas se a gente pensar na dificuldade, a gente nem vive”, diz, aos risos.