Exposição em SP mostra relevância mundial de pintor favelado
Antônio Roseno de Lima, morto em 1998, morou e produziu na Favela 3 Marias, em Campinas, transformando lixo em arte
A exposição A.R.L. Vida e Obra, em cartaz até 19 de agosto no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em São Paulo, é uma oportunidade única para conhecer a produção de Antônio Roseno de Lima, artista favelado e fora de qualquer circuito artístico, até ser descoberto, no final da década de 1980, pelo pesquisador do Instituto de Artes da UNICAMP, Geraldo Porto, que assina a curadoria da mostra.
Semianalfabeto, o fotógrafo e pintor tirou da dura realidade de favelado a inspiração para criar uma obra que é reflexo da mais pura e encantadora arte bruta. Autorretratos, onças, vacas, galos, Santos Dumont, bêbados, mulheres e presidentes foram seus temas principais.
Antônio Roseno de Lima viveu em condições precárias na favela Três Marias, em Campinas, interior paulista, onde morou de 1962 até sua morte, em junho de 1998. Ele expressava sonhos e observações do cotidiano através de suas pinturas, muitas vezes utilizando materiais improvisados encontrados no lixo: pedaços de latas, papelão, madeira e restos de esmalte sintético.
O artista nasceu em 1926, na cidade de Alexandria (RN). Aos 22 anos, decide sair da roça para morar na cidade, fazendo doce com sua madrinha. Aos 30 anos, largou o casamento com Cosma, com quem teve cinco filhos, para buscar uma vida melhor em São Paulo.
Na capital paulista, se dedicou à fotografia, antes de se estabelecer na Favela Três Marias, em 1962, onde produziu a maior parte de sua arte.
Bilhetes atrás dos quadros
Quando gostava de algum desenho, recortava-o em latas de vários tamanhos para usar como modelo, além de outros materiais como lã, em épocas de frio. Em seu barraco, cores vibrantes e figuras contornadas em preto ganhavam vida.
Com cores fortes, escrevia nos quadros que “este desenho foi fundado em 1961”, referindo-se ao início de sua obra de desenho, pintura e fotografia, com um “professor espanhol”, em São Paulo. Mesmo semianalfabeto, as palavras sempre fizeram parte de sua expressão poética.
Amigos e crianças da favela o ajudavam com a leitura e as anotações em um caderno, que eram fotocopiadas para serem coladas na parte de trás dos quadros. Os bilhetinhos carregados de informação apareciam com os mais diversos tipos de letras.
As frases e textos avisavam sobre materiais, processo de criação, execução, conservação da pintura e arrematavam: “Quem pegar esse desenho guarda com carinho. Pode lavar. Só não pode arranhar. Fica para filhos e netos. Tendo zelo, dura meio século”.
Muito além da mediocridade primitivista
A primeira vez que o curador Geraldo Porto viu os quadros de Antônio Roseno de Lima foi em uma exposição coletiva de artistas primitivistas no Centro de Convivência Cultural de Campinas, em 1988.
“Naquele instante, tive a certeza de estar diante de um artista raro". Ele acrescenta que o pintor se destacava da mediocridade "primitivista" idolatrada por colecionadores estrangeiros de arte ingênua e naif.
Passou a ser chamado pelos jornalistas de “pintor pop da favela”, porque seus quadros “misturavam imagens, fotografias, propagandas e palavras como nos cartazes comerciais", explica Porto. Antônio Roseno desconhecia qualquer movimento artístico.
Depois das reportagens que o mostraram como favelado, analfabeto e doente, passou a escrever em seus quadros em letras garrafais: “Sou um homem muito inteligente”, no intuito de se livrar dessas imagens negativas.
Soledade, sua grande companheira na vida, revelou que “Antônio sobrevive às custas de cinco tipos de remédios, mas ele não gosta de falar de suas doenças e detesta ser chamado de doente”. Diante da devoção de sua mulher, o artista insistia em repetir: "Nunca tive amor na vida", independentemente das quase quatro décadas de relacionamento que os dois mantiveram.
Relevância mundial
A primeira exposição individual de Antônio Roseno de Lima aconteceu em 1991, na galeria de arte contemporânea Casa Triângulo, em São Paulo. Logo após, uma televisão alemã fez reportagem veiculada na Europa durante a exposição Documenta de Kassel. A Folha de S. Paulo recomendou sua mostra como uma das melhores da temporada.
Os trabalhos de Roseno figuram em publicações de renome mundial. Porém, pobre e doente, morreu em 1998, quando uma boa parte de seus trabalhos estava em coleções de arte no Brasil e no exterior. Infelizmente, outra grande parte foi jogada no lixão pelo caminhão da prefeitura, chamado pela família para limpar a casa.
Assim como Arthur Bispo do Rosário, o grande Antônio Roseno de Lima "é sim um artista outsider, pela originalidade do seu processo criativo. Sua criatividade desconhecia limites entre fotografar, pintar ou escrever. Analfabeto, ele escrevia; fotógrafo, ele pintava; pintor, ele tecia”, diz Geraldo Porto.
O curador conta que perguntou a Antônio Roseno de Lima porque pintava tantas vacas. “Porque eu gosto muito de leite”, respondeu o artista.
Serviço
“A.R.L. Vida e Obra” de Antônio Roseno de Lima
Centro Cultural Banco do Brasil
Prédio Anexo: Rua da Quitanda, 80 – Centro Histórico – SP, próximo à estação São Bento do Metrô
Período: 26 de junho a 19 de agosto de 2024
Funcionamento: aberto todos os dias, das 9h às 20h, exceto às terças.
Ingressos gratuitos: disponíveis no site bb.com.br/cultura e na bilheteria física do CCBB São Paulo
Classificação Indicativa: Livre
Informações: (11) 4297-0600
Van: Ida e volta gratuita, saindo da Rua da Consolação, 228. No trajeto de volta, há também uma parada no metrô República. Das 12h às 21h. Entrada acessível: Pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida e outras pessoas que necessitem da rampa de acesso podem utilizar a porta lateral localizada à esquerda da entrada principal.