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Família luta para manter cultura em bairro negro de Salvador

'Toda vez que alguém fala em Terno de Reis, principalmente em Rosa Menina, é uma emoção muito grande para mim', diz coordenadora de projeto

9 mar 2022 - 05h00
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Isabel, Regina, Francisco e Márcio
Isabel, Regina, Francisco e Márcio
Foto: Geral Nascimento

Pernambués é o bairro com a maior população negra de Salvador. Conforme dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2010, de um total de 64.983 moradores, 53.580 se auto-declaram pretas ou pardas.

Além disso, é um dos bairros mais populosos da capital baiana. No entanto, costuma aparecer para o restante do país somente para repercutir casos negativos. E mesmo com todo o cenário externo desfavorável, moradores encontraram maneiras de sobressair desse estigma. Eles se apegam, por exemplo, ao Terno de Reis – grupo de cultura popular que apresenta festividade e alegria em Salvador.

De acordo com o professor Francisco Cruz do Nascimento, especialista em Estado e Direito dos Povos e Comunidades Tradicionais, o Terno de Reis é um grupo de cultura popular que se manifesta através da dança, música e teatro em cortejo de rua. Todos os Ternos de Reis, Ranchos e Bailes Pastoris são Folguedos da Cultura Popular sacro e profana.

O professor esclarece que todos os grupos têm por objetivo remontar a ida dos três Reis Magos, Gaspar, Melchior e Baltazar, à manjedoura onde nasceu o Menino Jesus e cada terno escolhe uma figura representativa.  No dia de 6 de janeiro é celebrado anualmente o dia de Reis e no dia anterior, 5 pela noite, tradicionalmente, começam as homenagens.

“O Terno significa para mim a cultura da minha terra, uma tradição que não pode acabar e cada ano que passa deixa mais viva essa herança cultural, esse legado do nosso povo trazido pelos europeus”. Essa fala é da professora, Luisa Maria dos Santos, de 66 anos, que participa do Terno de Reis Rosa Menina desde 1976, exercendo a primeira função como cigana de pandeiro. Em 1977 foi contemplada como Porta Estandarte do Terno, no qual ficou até 1982.

“Depois tive que parar por motivos pessoais, mas não suportei ficar distante dessa tradição e retornei em 1986 como cigana de pandeiro, mas logo voltei ao cargo de porta estandarte o qual permaneci por muitos e muitos anos”, relembra e completa: “hoje ainda participo do terno quando tem apresentação em alguns lugares, no entanto desfilo sempre como cigana de pandeiro porque gosto demais”.

Porém, a professora, moradora do bairro de Pernambués, diz que tem saudades do estandarte e diz que “tudo é tão lindo que qualquer cargo que eu exercer pra mim está ótimo. Têm as ciganas de castanholas, baianas, floristas, jardineiro, camponesas, entre outros, todas homenageando ao nascimento do menino Jesus”, afirma.

Para a estudante Priscila Nascimento, 17 anos, integrante do Terno Rosa Menina, o grupo cultural é muito importante para a comunidade de Pernambués. “O terno significa história e com certeza ajudou sem intenção e intencionalmente muitas pessoas do nosso bairro, através da música e dança”, diz.

Ela que é neta dos fundadores diz que sempre esteve presente no Terno. “Mesmo no ventre de minha mãe com certeza já dançava como rosa menina”, fala alegremente.

Terno Reis Rosa Menina

Quando se fala na favela de Pernambués, a mídia retrata somente os males da região, mas o grupo Terno de Reis Rosa Menina tenta mudar isso através da manifestação cultural. Para Isabel Cruz do Nascimento, de 54 anos, coordenadora geral do Rosa Menina e dos Ternos de Reis de Salvador, nos bairros periféricos, guetos e subúrbios não tem só criminalidade, mortes e corpos estendidos no chão. Existem também cultura, pessoas de bem que fazem trabalho social e transformam vidas. “Aqui temos esporte e educação”, afirma.

O grupo cultural popular Terno de Reis Rosa Menina tem uma história tradicional muito forte em Salvador, pois é o grupo mais antigo da capital baiana com 76 anos de vida. As apresentações reuniam muitas pessoas da comunidade de Pernambués, mas atualmente conta com 40 integrantes, com música, dança e exibições que animavam a comunidade local e também outras regiões como a Lapinha, local de encontro para celebração do dia dos Reis.

A elaboração das apresentações é feita pelos nove filhos do casal ano após ano. Depois do falecimento dos pais, Silvano, em 2008, e Luiza, em 2014, a filha Isabel, passou a ser a responsável por manter o legado da família Nascimento.

“Fazemos tudo por amor. Toda vez que alguém fala em terno de reis, principalmente em Rosa Menina, é uma emoção muito grande para mim. Depois que os meus pais faleceram eu que fiquei na frente das reuniões. Vou nas secretarias públicas de cultura, além de ir em buscas de editais. Vou procurar outras pessoas de outros ternos, enfim, faço tudo em prol do grupo com determinação, juntamente com a família”, diz Isabel Cruz do Nascimento.

Isabel Nascimento
Isabel Nascimento
Foto: Regina Nascimento

O Rosa Menina quando se reunia na sede, em Pernambués, a rua era tomada por pessoas que observavam os integrantes com as vestimentas características do grupo. Todos se concentravam para ir as apresentações no bairro da Lapinha. Mas tudo mudou quando a pandemia se instalou na comunidade.

“Com a pandemia paramos tudo, os ensaios e as apresentações. Já são dois anos sem ter festa na Lapinha, sem ter os desfiles dos ternos, que são oito aqui em Salvador com média de 20 a 30 integrantes. Já estamos pensando e repensando como vai ser o outro ano, em 2023. Estamos com esperança de aparecer algum edital para cultura”, pontua.

O terno é uma tradição que foi trazida pelos portugueses durante a colonização do Brasil.

“Os portugueses trouxeram essa tradição e ficou muito forte no Nordeste, principalmente aqui na Bahia. Aqui em Salvador antigamente existiam muitos ternos, porém hoje em dia só existem oito com muito custo. O Rosa Menina é o mais tradicional e o mais antigo”, explica Isabel.

Ela pontua que cada grupo tem sua figura principal que representa o nome do terno, como por exemplo: a Rosa Menina representa o terno do mesmo nome, o terno da lua tem uma menina que reflete o grupo do mesmo nome, e assim acontecem com outros grupos.

Outra característica do grupo é estrela guia sendo representada por uma menina que mostra os três reis, simbolizado por três pessoas, o nascimento de Jesus Cristo. Ela está presente em todos os ternos. Além disso, os ternos de reis possuem porta estandarte e alas, como: baianas, ciganas, espanholas (somente no terno rosa menina) e das floristas.

De acordo com o diretor artístico e apresentador do grupo, Francisco Nascimento, o Terno de Reis Rosa Menina foi fundado no dia 1º de novembro de 1945, pelos pai Silvano Francisco do Nascimento e Armando do Nascimento, apesar do sobrenome igual, os dois não tinham parentesco.

“Meu pai Silvano contou que ele e Armando passavam caminhando na localidade de Brotas (bairro de Salvador) e viram algumas crianças brincando de Terno, a partir daí criaram o Terno Rosa Menina e deram esse nome porque Silvano era admirador e cultivava Rosas menina”, diz.

O professor ainda explica que em 1949 o Rosa Menina se mudou para o bairro de Pernambués, levado por Silvano, porém Armando já não mais fazia parte da organização. A partir daí, Dona Luiza Cruz do Nascimento [mãe de Franscisco], começava a cuidar do figurino grupo, além de dirigir dois ternos: As Moreninhas e as Conchinhas de ouro. Em 1957 eles se casam e apenas o Rosa Menina sobrevive.

Para Francisco Nascimento, 63 anos, o Rosa Menina tem uma grande importância para a comunidade de Pernambués por se constituir em um foco de resistência histórica e tradicional da cultura de Ternos, marcado pela presença de negras e negros na sua constituição.

“O Terno Rosa Menina divulga o nome da comunidade e leva a cultura popular de folguedos de um bairro que é marcado e divulgado pela grande mídia como um espaço de violências,” enfatiza Francisco.

Francisco Nascimento
Francisco Nascimento
Foto: Cecília Pereira

Conforme o professor, o Reis Rosa Menina representa um legado da vida cultural dos pais: “é uma tradição imortal que nos realiza ano após ano, seja no desfile do Fuzuê Ondina x Barra, seja na festa de Reis na Lapinha ou no sábado tradicional de reis na Igreja do Bomfim”, fala entusiasmado.

Pandemia

O Rosa Menina vem enfrentando sérias dificuldades em tempos de pandemia, como fala Francisco, principalmente pelo fato de não poder realizar reuniões e apresentações como acontecia antes da covid. Além disso, o grupo deixa de ter qualquer tipo de apoio financeiro, inclusive para manutenção das alegorias e figurinos.

 “Essa dificuldade acarreta ainda mais na questão emocional, a afetividade que nós temos da família com o terno ela fica totalmente tocada. É muito sensível para gente não poder está realizando aquilo que a gente sempre fez historicamente na cultura do nosso bairro Pernambués, na cultura tradicional dos Ternos de Reis de Salvador”, fala emocionado.

Ele acredita que a pandemia vai passar e faz questão de salientar para que as autoridades possibilitem espaços nos editais para sobreviverem.

“Quando a pandemia passar, e espero que seja o mais rápido possível, as autoridades fiquem atentas para que nos editais abram espaços para que esses ternos e esses folguedos possam também participar e serem contemplados com recursos. Está vindo aí a segunda versão da lei Aldir Blanc. A gente deseja poder concorrer com o nosso trabalho, porque a gente precisa desse suporte”, pontua.

Francisco salienta que a família mantém o terno vivo pelo amor e dedicação a essa cultura, pela entrega coletiva dos filhos de Luiza e Silvano, que atendem um pedido célebre: “Não deixem o nosso terno morrer”.

O Terno Rosa Menina virou uma tradição familiar, pois os descendentes dos fundadores estão à frente do grupo e mantendo-o com toda coragem e amor. Nas apresentações, o grupo atua com uma montagem tradicional de folguedo popular, teatro e dança coreografada de rua, cortejo recheado de músicas, alegorias, danças e figuras representativas de colorido exuberante.  

  “O Terno é caracterizado com figurino baseado na cultura europeia, uma vez que terno é originado de lá, mas por estar no Brasil, na Bahia, inclui-se a figura da baiana. A apresentação principal é a da festa de Reis na Lapinha, porém há um bom tempo, todas as festas de largo e apresentações de natal, os ternos eram convidados pra apresentar festas em outros bairros como: Pituba, Itapoã, Bonfim, Rio vermelho, entre outros. além das apresentações da janela do natal da cidade, mas vale lembrar que o terno já foi convidado para apresentar em outros municípios fora de Salvador como Muritiba, Itatim, Rafael Jambeiro e Valença”, explica José Márcio Nascimento, 49 anos, responsável pela parte musical do grupo.

Ele também explica que os ensaios do grupo antes da pandemia eram feitos na sede provisória na casa dos pais, depois tiveram que fazer virtualmente.

“Acredito que se depender da nossa família essa tradição não vai acabar, porque os nossos filhos e netos também gostam de participar, no meu caso a minha filha Priscila, já participava do terno mesmo antes de nascer, pois minha esposa acompanhava o terno e mesmo gestante ela foi a apresentação na lapinha depois que ela nasceu foi ser Rosa menina do terno com 11 meses de idade, em seguida Espanhola, hoje uma das porta-Estandarte e toca vários instrumentos também”, destaca.

Além de Isabel Nascimento Dórea, coordenadora geral do Rosa Menina, os outros irmãos ajudam para manter o grupo. Francisco tem o papel de cuidar das orientações artísticas e apresentações; Geraldo, tem a função de organizar as alegorias e puxar o terno nas ruas; Regina, contribui com os figurinos e apoia na consecução de figurantes; Efigênia, responsável pela gestão administrativa; Márcio é o encarregado da organização musical e, por fim, João que toma conta da sonorização.

Homenagem

No mês de dezembro de 2008, o senhor Silvado faleceu e logo no mês seguinte era festa de reis. Nesse dia uma das filhas dos fundadores, Regina Nascimento, começou a pensar em uma forma de imortalizar o terno Rosa Menina.

Regina Nascimento
Regina Nascimento
Foto: Isabel Nascimento

Para homenagear o Terno Rosa Menina, ela escreveu um livro- Eternamente Rosa Menina, a história de um terno de reis- para deixar registrado toda obra do grupo.

“O terno Rosa Menina é um pedaço da minha vida, é uma história real, escrita dia a dia, ano após anos. Envolve amor, respeito e muito sentimento. Meu pai fundou o Rosa Menina, mas seguiu sozinho com sua esposa e filhos. Faço questão de dizer: não temos nenhum incentivo para continuar, só o amor mesmo. Se um dia a festa de reis acabar, eu tenho certeza que hoje existe uma memória - o livro”, diz emocionada.

Música do terno Rosa Menina - O Reis

Moradores de Belém, da santa Consolação, é chegada hoje a noite da sagrada adoração (bis) Os três reis quando souberam que Jesus era nascido se puseram a caminho com presentes escolhido. O primeiro trouxe ouro para o seu trono dourar, o segundo trouxe incenso para o seu trono incensar, o terceiro mirra por saber que era imortal.

Letra: Senhor Silvano

ANF
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