Festival quer mudar imagem violenta do Bate-bola no RJ
Marcelo D2 foi homenageado e desfilou em Rocha Miranda. Levantamento inédito revela movimento de R$ 30 milhões anuais
Com expectativa de reunir mais de 50 mil pessoas, acontece hoje, às 18 horas, o primeiro Festival Estadual de Bate-Bola do Rio de Janeiro, reunindo 21 grupos em concurso de fantasia e festa para a comunidade da região de Campo Grande, zona oeste. A folia acontece na Praça do Samba, em Santa Margarida.
Tradição secular dos subúrbios cariocas, especialmente das zonas oeste e norte, os grupos de Bate-bola costumam ser associados à agressividade. Marcelo D2, na música 1967, canta que “andava pelas ruas vestindo o meu bate bola, se tu passasse na minha frente era melhor tu sair fora”.
Mas ele parece não acreditar mais nisso. No final de semana, foi homenageado e desfilou na Turma do Sucesso, de Rocha Miranda, sem nenhuma treta. Emocionado, após a festa declarou que “foi a coisa mais incrível que vivi nos últimos tempos”.
As comunidades querem valorizar a tradição e o lado econômico. Segundo o levantamento inédito da Associação Estadual Folclórica do Estado do RJ, que promove o Festival, os grupos, também chamados de Clóvis, movimentam R$ 30 milhões anualmente.
Clóvis movimenta muita grana
O 1º Mapeamento da Economia Criativa Periférica do Folclore Carioca revela que a cadeia produtiva envolve eventos culturais, gastronômicos, moda e artesanato, entre outros. É o que constatou Mônica Xavier, que esteve à frente do levantamento.
“A periferia é capaz de criar soluções dentro das condições mais adversas, principalmente nas favelas. Muitas delas concentram pequenos ateliês que fazem indumentárias, fantasias e adereços, produzindo tudo que os bate-bolas usam, como roupa, luvas, meias, sombrinhas, bandeira, entre outros componentes da fantasia.”
Diante do espanto do repórter, ela exemplifica: “Uma turma tem de 30 a 60 componentes. O valor de uma fantasia varia de R$ 2.000 a R$ 3.000. Só aí, o investimento pode chegar a R$ 180 mil por grupo. Pega isso e multiplica por quase cem turmas existentes”.
Além das fantasias, durante o ano são realizados eventos como churrascos e festas juninas, para arrecadação de fundos. Hoje, em Campo Grande, o comércio do entorno bombará, especialmente com consumo de comidas e bebidas. Se reunir 50 mil pessoas e cada folião gastar R$ 10, será meio milhão de reais.
Reconhecimento oficial e mudanças
Se tretas, tretinhas e tretonas queimam o filme dos foliões, o reconhecimento institucional do Bate-bola ajuda na reconstrução simbólica. Um passo importante foi dado em 2012, quando a Prefeitura do Rio de Janeiro declarou os grupos de Clóvis como Patrimônio Cultural Carioca.
Existe edital específico para fomento cultural, iniciativa estadual para salvaguarda das manifestações folclóricas do Rio de Janeiro e, no ano passado, foi instituído oficialmente o Dia do Clovis, a ser comemorado em 27 de novembro.
Segundo Mônica Xavier, tem havido a inclusão de mulheres em uma manifestação masculina, além da aproximação com grafiteiros. No Festival de hoje, ao menos um grupo é feminino, o Empoderadas. E, antes da saída das turmas, artistas ligados ao hip hop pintam muros para marcar a data.
Em sua pesquisa de mestrado, Aline Valadão Pereira afirma que, ao invés de entender o Bate-bola pelo viés da tradição, mais produtivo é enxergar “suas transformações e diferenças”
Pequena explicação sobre o carnaval periférico
Conforme escreveu a antropóloga Alba Zaluar, enquanto o Carnaval midiático das grandes escolas de samba é o principal produto turístico do Rio de Janeiro, o Bate-bola é um “carnaval subterrâneo” das “zonas periféricas da cidade”.
A manifestação cultural é do início do século passado. O nome vem do gesto de bater bola no chão, assustando as pessoas com o barulho. As bolas eram feitas de bexiga animal, porco ou boi, secada, inflada e amarrada a um bastão. As bexigas ganharam versão industrializada, de plástico. O sinônimo Clóvis provavelmente veio da palavra “clown”, palhaço em inglês.
A tradição impõe uma fantasia dos pés à cabeça e os grupos de Bate-bola se dedicam ao esplendor da roupa, conforme se pode ver no documentário Carnaval, Bexiga, Funk e Sombrinha.
Como se monta uma fantasia
Os símbolos de identificação das turmas de Bate-bola começam pelo nome, passam pelo emblema e o bandeirão, como dos times de futebol, e incluem a camiseta, que é usada no dia a dia da comunidade, com grande orgulho.
A fantasia valoriza o calçado, meião, luvas e máscaras. A parte principal, chamada macacão, pode ter capa e casaca. Na mão dos foliões – e, cada vez mais, das folionas – estará a bola amarrada a uma cordinha, presa ao pequeno mastro. É o instrumento do barulho, que pode ser substituído por sombrinha.
As imagens estampadas nas fantasias são, em geral, de personagens da mídia, de desenhos animados a heróis de filmes. A essência, para deixar a fantasia cheirosa, finaliza a montagem.
A saída às ruas é o auge da festa, acompanhada por queima de fogos. Podem rolar os hinos das turmas, funk, samba. Então é sair pro abraço, pular junto ou correr dos bate-bolas, que brincam de assustar as pessoas.