Invadindo sossegados sonhos alvos: Capítulo dois - Bolando um plano
O prefeito tinha planos para a Favela do Cantão, expulsar os moradores e montar um projeto para os ricos, ele não contava com a força da comunidade que organizada poderiam, acabar com os sossegados sonhos alvos
Queria ficar Akilah mas se foi com a promessa de voltar, tinha um compromisso de tamanha responsabilidade que nem Jorginho poderia saber, ficou ele só solitário no barraco, a vitrola ainda tocava Billie Holiday, sabia que ela gostava, Akilah se encantava fácil no compasso da poesia e a voz da cantora, seu canto era um convite ao prazer, à luta e a busca por justiça, foi saindo da favela sonhando Jorginho e Jorginho sonhava com a quilombela, a pele reluzente, o cabelo trançado, juntando-se ao jeito de seus lábios carnudos, era toda uma paisagem noturna, ele presenteado por ela com a Biografia do Malcolm X, lia e sentia cada vez mais sintonizado nas ideias com a pretinha, no barraco Billie Holiday cessou seu canto, na rua Akilah encontrou o asfalto, o ponteiro do relógio já se arrastava para vinte horas, estava um pouco atrasada para reunião. Gostava da comunidade, era como se o Cantão fosse o seu canto, as pessoas hospitaleiras, a garota moradora da outra favela dividia um quarto com sua mãe, seu nome de certidão Caroline, de renascimento e batismo Akilah, desde a infância apegada aos livros e na adolescência se encantou com as histórias das independências africanas, conheceu o Instituto João Cândido que era uma posse, formada pelos jovens do Cantão onde discutiam problemas raciais e também organizavam protestos, tinham de contentamento um grande feito uma biblioteca no Centro Cultural Palmares. Ela sabia que o Prefeito iria tentar a desocupação, as batidas policiais eram quase semanais e a nova onda eram os incêndios, como os que ocorreram semanas antes dessa tentativa de expulsão dos moradores. A Cúpula cobiçava aquela terra há tempos, na noite que a tropa de choque invadiu com esse intuito, Akilah estava presente e viu os policiais levando o Kenyatta, o garoto foi autuado por agressão e desacato a autoridade, Akilah ficou triste, mas sabia que naquela organização ninguém temia a prisão, pois ficou acertado no Instituto João Cândido que defenderiam a Favela do Cantão custasse lá o que fosse.
Akilah chegou a tempo para a reunião.
*********************
Ouviu e não foi pouco dos companheiros, o Memeco errou e tentou se explicar:
- Fiquei na moita, fiz três bombas, taquei quando vinha na direção da quebrada, ceis tinham que vê as quatro roda pra cima. Depois das tentativa da tomada, depois dos tapa na cara, ceis qué o que? Eles me arrastar no asfalto também? Sumisse com meu corpo? Inventasse troca de tiro depois de acertar minha testa? Ceis quer o que?
- trabalhamos no coletivo, cê tem sangue no olho, a gente sabe, mas se não tiver inteligência, se a gente não trocar umas ideias, essa sua ação é burrice.
Akilah dizia com os olhos em brasa. Memeco não poderia ter agido sem o consentimento das companheiras e companheiros, ainda mais no dia da ação - molecagem dele - pensou ela.
O Instituto João Cândido trabalhava em prol da quebrada, sem ligação com partidos políticos, empresas. No grupo existiam duas peças de grande importância, a professora Malika, que por perseguição se retirou da favela, mas quando presente incentivava a leitura doando livros organizando palestras com temas voltados à autoestima e também sobre a resistência negra, além de ser uma bela contadora de estória, os policiais queriam encontrá-la, acusariam Malika de todas as rebeliões jovens nas comunidades.
A outra peça importante era o Antônio Prado, se embriagava tanto que quase morreu tropeçando e batendo a cabeça na guia, depois dos pontos e da ressaca moral e física brecou com a pinga, mas achou interessante ainda vestir aquele personagem de beberrão, estava na reunião e deixou com Akilah o endereço onde seriam desembarcadas as drogas vindas das fazendas de Minas Gerais e também algumas bombas de fabricação caseira.
Akilah reuniu algumas pessoas do instituto, bolou o plano e trouxe o mapa na mente, pegou com Antônio Prado a mochila, saiu carregando nos passos uma única certeza, faria o que fosse preciso. Tinha firmeza nas pisadas.
*********************
Quando o Tenente deu por si no batalhão já era tarde, duas rocam se aproximaram do fogaréu, nos olhos dos policiais labaredas contorciam dores, águas inundadas em suas retinas de nada adiantaria, a viatura estava em chamas um deles comunicou o batalhão.
- Tenente na escuta?
- Diga soldado?
- Tragédia, viatura 734 QP capotada e queimada. Pelo jeito tenente, quatro policiais falecidos. Na escuta?
-Sim.
O Tenente amargou um nó em seu peito, segurou com ódio as lágrimas que se rebelavam e forçavam a tranca que era seu rosto.
-Esses filhos da puta vão pagar caro!!! Falou sem muita esperança.
Invadindo sossegados sonhos alvos: Capítulo um - Por Água Abaixo