No trem do Lollapalooza, show é de quem trabalha no evento
Ambulantes, guardas, faxineiras, garis, promotoras e até tradutor de língua de sinais garantem a diversão do público
O trem que leva e traz do Lollapalooza, da linha 9 Esmeralda, em São Paulo, é palco da atuação de trabalhadoras e trabalhadores do evento. Eles usam os trilhos para ir e voltar, enquanto agentes e faxineiras atuam nas plataformas. Do lado de fora da estação Autódromo, mais trabalho: garis, vendedores ambulantes, fiscais e guardas fazem o corre até de madrugada.
São 9h30 e as irmãs Carla e Camilla Leite Alves chegam esbaforidas à estação Osasco do trem. Estão vindo da Brasilândia, zona norte de São Paulo. Pegaram dois ônibus, dois metrôs e agora confirmam que a linha 9 Esmeralda leva à estação Autódromo, a mais próxima do Lollapalooza.
No vagão, que não está lotado, conseguem sentar. Trabalharão até o final da noite em estandes de bebidas. Estão acostumadas e gostam do serviço, que fazem há uns dois anos. Estiveram em vários festivais.
Nas dezesseis estações até o desembarque, pouca coisa indica que o Lollapalooza está acontecendo. A maioria dos passageiros são trabalhadores indo e vindo em uma sexta-feira chuvosa. As irmãs conversam sobre a programação.
“Gente, o que o Supla está fazendo aqui?”. Depois do trabalho, ou durante, se o local onde ficarem permitir, querem ver Luiza Sonza, Maneva, Kevin o Chris e Xamã.
Capa de chuva a dez reais
Um vendedor entra no vagão. “Se você está indo pro Lolla, esta é a sua melhor amiga”. Ele mostra a capa de chuva, dez reais. Na porta do show, vai custar quanto? “Aí é trinta, mano”, responde o marreteiro que prefere não dar nome, nem ser fotografado.
As irmãs Carla e Camila chegam à Estação Autódromo e encontram a amiga Andressa Vieira. As três atuarão juntas. São 11 horas. Durante a tarde, trabalhadoras e trabalhadores assumirão seus postos, dentro do show, na plataforma do trem e na rua. A chuva forte atrapalha, nem capa de chuva resolve.
Porém, o caos acontece mesmo no final da noite, entre 22 horas e 1 da manhã, na estação Autódromo, quando fãs querem voltar para casa de trem. Então entra em ação quem realmente fecha a primeira noite de espetáculos do Lollapalooza.
Com megafone, incansável agente repete orientações
A multidão toma a rua, a entrada, as escadas e a plataforma da estação Autódromo. Incansáveis agentes, homens e mulheres, repetem no megafone: “Santo Amaro, Pinheiros, Osasco. Melhor embarque no final da plataforma. Não parem nas escadas, não parem nas escadas”.
Cada agente pronuncia a frase umas 20 vezes por minuto no megafone. Em três horas de trabalho, repetirão a orientação, no mínimo, três mil vezes. Isso só acontece em dia de shows em Interlagos. A estação não fecha.
Os trens chegam e partem rápido, arrastando oito vagões. São mais de duas mil pessoas dentro. Na plataforma, gente bem louca cai e só não esborracha nos trilhos porque bate a cabeça no trem, que, por sorte, está parado.
O intérprete de Libras Gustavo Araújo Ferreira, sobreo e feliz, pergunta ao agente da estação sobre o itinerário da volta para casa. Ele gosta de trabalhar em shows, “acho bem da hora”. Seu dia de trabalho foi tranquilo, não precisou orientar nenhum surdo, pouco prováveis em um show de música.
Ele ganhará quase mil reais nos três dias do Lollapalooza. “Vale a pena, quero fazer outros”, diz, antes de sair correndo, sem saber se conseguirá chegar em casa de transporte público. Passa da meia-noite e ele mora em Guarulhos.
Madrugada sem novidades para as faxineiras da estação
O trabalho na madrugada não é novidade para as faxineiras da estação Autódromo. Elas entram às 22 horas e saem às 6 da manhã, independente do funcionamento ininterrupto dos trens.
Uma dessas guerreiras é Edilene Ribeiro, 38 anos. Ela não acha que o serviço aumentou muito com o Lollapalooza. “No The Town tinha mais gente”. Após o trabalho, emenda um curso de enfermagem pela manhã e só consegue dormir de tarde.
Nas catracas da estação, agentes repetem milhares de vezes orientações como “esta fila é para quem vai comprar passagem; quem tem bilhete, pode ir direto”. Do lado de fora, garis, policiais, marreteiros, guardas-civis, policiais militares e pequenos comerciantes ainda trabalham intensamente.
Fiscais sentem remorso ao tomar mercadorias
Em frente à estação, quatro jovens fiscais da prefeitura terminaram o trabalho. Eles ficam de olho em vendedores ambulantes. Quando localizam, acionam a Guarda-Civil, que confisca as mercadorias.
Começaram a fiscalizar no final da tarde. Na primeira hora da madrugada, esperam a van que os levará para casa, fora de São Paulo. Não apreenderam muita coisa. “Mas, mano, tem gente que pede pra rodar: param na nossa frente e ficam vendendo”, conta um deles.
Outro responde, antes do repórter perguntar: “Se dá remorso? Mano, dá remorso. Mas a pessoa pode recuperar as mercadorias depois. Tem gente que xinga, ofende, mas outros entendem que, se é o trampo deles é vender, o nosso é fiscalizar”.
Nesse momento, João Vitor, 24 anos, de Carapicuíba, chega à porta da estação Autódromo. Passa da meia-noite, mas ele não chegou neste horário para fugir da fiscalização.
Ficou sabendo do Lallapalooza durante a tarde, vendendo água, pirulitos e chicletes no trem. Veio tentar a sorte. Não vendeu muito, mas pretende voltar mais cedo nos outros dias do festival.
Últimos trabalhadores da madrugada
Garis varrem rapidamente, pegada monstra, parece que acabaram de acordar. Passa de uma hora da manhã e não há mais lixo na rua. Mesmo assim, o turno durará mais duas horas. O movimento diminuiu muito.
Dona Regina Gomes dos Santos, 71 anos, aposentada, está fechando a lanchonete que abriu na garagem de casa, em frente à estação. Natural de Salvador, é uma das fundadoras do bairro.
O Cantinho da Regina Lanchonete e Bomboniere existe há dez anos. “Não dá muito, pago para trabalhar, mas nos shows, dá uma erguida. Tem que aproveitar a oportunidade. Por mim, tinha um evento por mês”.
Ela pretende trabalhar “até quando Jesus me levar”. Nesta hora, coincidentemente, as irmãs Carla e Camilla, que encontramos no início da reportagem, chegam à estação.
A coincidência é tanta que o repórter registra o momento. Antes da foto, num gesto de trabalhadoras compromissadas, puxam os crachás para fora da blusa, para que saiam identificadas na foto.