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“Paredes que andam”: grafiteiro fala pela primeira vez sobre pinturas em trens de SP

Grafites em vagões são raros e seus autores, clandestinos, mas grafiteiro decide narrar seus 30 anos de “intervenções”

27 mar 2025 - 05h51
(atualizado às 05h56)
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Resumo
Em geral, grafites são autorizados em muros e fachadas, exceto em trens. Em homenagem ao Dia do Grafite, integrante de um dos grupos mais atuantes na capital paulista, especialmente entre a década de 1990 e início dos anos 2000, revela estratégias e riscos vividos.
Registro da ORC em trem de carga. Grafitar em vagões de passageiros era bem mais difícil.
Registro da ORC em trem de carga. Grafitar em vagões de passageiros era bem mais difícil.
Foto: Arquivo pessoal

Os grafites em trens marcam o início da cultura hip hop nos Estados Unidos, mas pintar vagões, tanto lá, quanto em São Paulo, sempre foi um risco, reprimido por seguranças, policiais e governantes. Por isso conseguir um depoimento detalhado de quem ousou desafiar a lei é tão raro, como a história de FIEM ORC.

Não podemos divulgar seu nome real, apesar do nosso personagem ter 43 anos e estar fora do circuito faz tempo. Seus eventuais crimes por vandals e bombs (estilos de registros grafitados) prescreveram e sua crew (grupo, gangue para alguns), também parou. Mas as histórias contadas nas ruas sobrevivem.

FIEM e a ORC começaram a deixar suas marcas nos vagões de qualquer tipo possível de trem, de carga a passageiro, em meados dos anos 1990, em São Paulo. FIEM, que pintou por quase 30 anos, começou assinando Free Man. Passou para FM e, depois, imitando o som das letras, para FIEM.

A crew ORC era formada por FIEM, GEGÃO, SNIF e RASE. Fizeram história na grafitagem de trens em São Paulo.
A crew ORC era formada por FIEM, GEGÃO, SNIF e RASE. Fizeram história na grafitagem de trens em São Paulo.
Foto: Arquivo pessoal

Quanto ao nome da crew, ORC significa algo como “fora da lei da ferrovia”, ou outlaw railway crew, em inglês. “Nas ruas, em bom português, a galera conhecia como Operação Riscos Contínuos”, brinca FIEM.

“Eu fazia grafite com mais de um nome para não ficar com holofote só em cima da gente. Quando eu rodei, tinha trampos meus flagrados com outros nomes, mas não sabiam que era eu”, sempre lembra aliviado.

CPTM significava “Companhia Paulista de Pintores Metropolitanos”

FIEM é da região de Parada de Taipas. Sempre pintou, desenhou e, quando teve o primeiro contato com spray, rolinho e tinta látex, pirou. “Via os trens e pensei: se eu fizer meus grafites ali, os caras vão ver meu nome. As cores e a adrenalina me fascinavam.”

Antes do advento dos celulares, as fotos eram feitas em filme e enviadas para revistas estrangeiras.
Antes do advento dos celulares, as fotos eram feitas em filme e enviadas para revistas estrangeiras.
Foto: Arquivo pessoal

“Na gringa, as gangues se falavam através dos grafites nos trens, colocavam o nome para os outros verem quem estava mandando na linha, ou quem fazia mais. No Brasil, poucos pintavam trens, era uma rivalidade sadia, mas sem treta, sem atropelar”, lembra FIEM – “atropelar” é grafitar em cima de outro grafite ou pichação, ofensa máxima, treta certa.

Durante anos, FIEM e a ORC deixaram suas marcas em diversos lugares de São Paulo e do mundo. As garagens estavam entre os locais preferidos, mas nunca foi fácil entrar, apenas na troca de turno dos seguranças. “Dez minutos eram suficientes. A gente entrava em três, quatro caras, e arrebentava.”

Investigando o movimento e as paradas dos trens

Molecada com tempo sobra, passavam o dia na rua à base de pão com mortadela e refrigerante. Ficavam observando horários de trens, buracos na cerca e percebiam oportunidades como o intervalo de tempo quando um trem para no trilho, permitindo a passagem de outro.

Apesar de raros – ou justamente por isso – ainda há quem ouse grafitar trens em São Paulo, como este, em 2019.
Apesar de raros – ou justamente por isso – ainda há quem ouse grafitar trens em São Paulo, como este, em 2019.
Foto: Reprodução

“Era coisa de filme. Ficava o dia inteiro pegando trem, marcando hora e lugar, estudando pra caramba o itinerário. Rolava uma investigação, por isso que a gente conseguia fazer as paradas mais do que todo mundo. Tem gente que pensa que é só pular o muro e pronto”, lembra FIEM.

Apesar da cautela, rolaram os inevitáveis enquadros. Tomaram tiros (todos saíram vivos), foram pintados com a própria tinta, levaram algumas porradas, eram pressionados a assumir autoria de grafites, a caguetarem. “Mas nunca assinei”, ou seja, nunca FIEM nunca foi fichado na polícia.         

Muito antes do acesso massificado a celulares, FIEM e a ORC fotografavam os grafites, revelavam os filmes e mandavam para revistas estrangeiras, por dois motivos: não havia publicações do gênero no Brasil, e eles não queriam gerar provas. “Mano, eu tenho umas vinte revistas gringas com o trampo da gente, no mundo inteiro”, conta FIEM.

Em 2017, João Dória, então prefeito de São Paulo, foi outro político da longa lista dos que lutaram contra o grafite
Em 2017, João Dória, então prefeito de São Paulo, foi outro político da longa lista dos que lutaram contra o grafite
Foto: Divulgação

Trabalho no ramo automotivo e desejo de viver da arte

FIEM não grafita mais trens, faz tempo. Concedeu entrevista porque a esposa, advogada, orientou quanto à prescrição de crimes e outros cuidados. Hoje ele atua no ramo automotivo, tem um negócio de envelopamento, pintura e customização de carros e motos. E percebeu uma possibilidade de retorno ao grafite, legalmente, como artista plástico.

Negociando obras no Brasil e no exterior, retomou e refinou o estilo, pretende colocar a bagagem artística, autenticamente forjada na rua, em galerias de arte. Nessa retomada, fez exposições, murais, trabalhos comerciais em apartamentos e mansões bacanas. Trabalha com telas, esculturas, impressões de alta qualidade em suportes especiais (fine art) e obras digitais (NFT).

“Nós fizemos parte do início do hip-hop no Brasil e deixamos o nosso legado com muito respeito e dedicação à cena do grafite. Todos os integrantes estão vivos e firmes em suas artes, até hoje”, frisa aquele que um dia foi FIEM, da extinta ORC.

Fonte: Visão do Corre
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