Opinião: Perifacon ensina porque devemos respeitar os nerds
Devíamos nos inspirar nas pessoas que massacramos fazendo bullying. Um país melhor passa por elas, não só nas periferias
Se mais jovens brasileiros fossem nerds, o repertório cultural seria maior, o índice de leitura aumentaria, mais gente seria capaz de interpretar textos e a diversidade ganharia mais espaço. Tirados nas escolas, os nerds deveriam comandá-las.
Estive presente na coletiva de imprensa que anunciou as novidades deste ano da Perifacon. Fiz reportagem nos bastidores, antes do evento, e a cobertura em Diadema, no último final de semana de julho, quando aconteceu a quarta edição.
Vi um monte de crianças, jovens e adultos felizes, que não só se reconhecem, mas são solidários porque, provavelmente, foram agredidos de muitas formas, da ironia ao ato físico, por serem, presumivelmente, diferentes. Fiquei imaginando o quanto sofreram na escola.
Mas essas pessoas deveriam ser respeitadas não só por uma questão de civilidade, mas porque são os melhores de nós: têm repertório, leem – e leem muito! – entendem a cultura como algo vital, têm coragem de vivenciar suas fantasias fazendo cosplay.
A agressividade contra os nerds passa pela inveja. Em um país de analfabetos, eles leem sagas com muitas páginas e muitos volumes. Entendem e incorporam as informações, o sonho de todo professor, e discutem criticamente, indo às raias da minúcia.
Enquanto se despreza e depreda a escola, eles sabem interpretar textos, filmes, músicas. Enquanto o preconceito toma conta, eles representam a diversidade, e o melhor, entre os periféricos.
Esses jovens fazem algo inimaginável, são pesquisadores. Fuçam, destrincham, conhecem detalhes, vão atrás de informação, cruzam fontes, desconfiam delas, viram verdadeiras enciclopédias humanas.
Discutem assuntos fundamentais para o mundo contemporâneo, como linguagem de programação, muito à frente de “projetos educacionais”. Elas e eles aprendem com autonomia. O nerd não nasce pronto, se faz.
Enquanto sofrem bullying, vão aumentando o repertório, se interessando pela vida, enfim. Vão passar no vestibular e ter um emprego minimamente digno, enquanto os agressores caminham firmemente para uma vida medíocre, preconceituosa, sem cinema, sem música, sem quadrinhos, sem diversão.
A lição que tiro da Perifacon é a de que nerds precisam ser respeitados. E, numa atitude de cosplay, talvez até copiados – mas copiados mantendo a identidade, como o homem preto que só faz cosplay de heróis pretos.
Tirados nas escolas, os nerds deviam comandá-las.