Stand-up de quebrada: comediantes falam da volta aos palcos
Com piadas sobre vivências em Mauá, Guarulhos e Mogi das Cruzes, apresentações têm força entre público das periferias
Morador de Mauá, na região metropolitana de São Paulo, o humorista Léo Ferreira, 28, sempre trouxe piadas sobre a cidade onde vive para os shows de stand-up comedy. Na área desde 2013, ele já abordou o tema no canal Comedy Central, de televisão por assinatura, em 2017.
“Sempre que falo de Mauá, coloco minhas vivências em relação ao lugar. Sempre tem uma distorção cômica, mas busco colocar o que passo no dia a dia”, conta Ferreira, frisando que as piadas dessa época não fazem mais parte do repertório atual: “Hoje acabo falando de uma ótica diferente”.
Ele cita, como exemplo, uma apresentação que fez no teatro municipal da cidade onde trouxe piadas a respeito do transporte público não ser dos melhores e a falta de água nos bairros. “Pode parecer que estou falando mal, mas quem estava lá acabou rindo porque também passa por isso e sabe como é ruim”, explica.
Assim como Léo, outros comediantes das periferias de São Paulo também abordam a região onde cresceram e vivem até hoje em busca do riso da plateia. Cria de Guarulhos, o humorista Douglas Zoio, 34, começou no stand-up em 2017 e sempre inicia as apresentações dizendo que é morador do município.
“Gosto de começar falando que sou de Guarulhos porque já quebro o gelo e a galera vê que sou meio maloqueiro”, brinca. Textos sobre o bairro dos Pimentas e Cumbica, o aeroporto internacional e a banda guarulhense Mamonas Assassinas fazem parte do repertório.
“Os textos entram muito bem quando vou em público de quebrada, dos bairros de periferia. Agora, quando é no centro, tem uma galera que compra as piadas e tem outros já que ficam ‘meio assim’”, diz. “A galera tem aquela visão de que Guarulhos é perigoso.”
Além das questões abordadas nas apresentações, os humoristas de cidades ou bairros mais afastados do centro também vivenciam situações em relação a essa distância. No caso de Léo, um dos planos é se mudar para a capital paulista, pois facilitaria o deslocamento até os bares e as casas de comédia.
“Acaba que Mauá é uma região bem distante dos shows (que costumam ser no centro de São Paulo). Na maioria das vezes, gasto quase duas horas de viagem para ir e mais duas para voltar. Estar no centro torna mais fácil o acesso”, comenta.
Já Douglas, que não tem o stand-up comedy como a principal fonte de renda, concilia as apresentações com o trabalho de auxiliar operacional em uma empresa de cestas básicas, de segunda a sexta-feira.
“Trabalho até às 18h e faço os shows de noite. Quando tenho show marcado, eu vou e faço. Se é no interior, geralmente volto na madrugada, durmo e acordo no outro dia para ir trabalhar”, explica ele, que também tem agenda aos finais de semana.
Pausa devido a pandemia
A rotina de apresentações começou a ser retomada a partir do primeiro semestre de 2021 com a reabertura de teatros, cinemas e demais eventos culturais, mas com capacidade de 40% a 60% do público. Até então, os estabelecimentos estavam fechados como medida de combate à Covid-19.
Quando a quarentena começou em março de 2020, decretada pelo governo estadual, o humorista e dançarino Márcio Pial, 43, estava em cartaz com o espetáculo de comédia e hip hop “Rebobinando”, em que aborda a adolescência que teve em Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, onde vive até hoje.
“No começo, achei que ia ser uma coisa rápida, de uns 15 dias. Mas depois o negócio começou a virar tudo o que virou. Foi um caos para todo mundo, mas para a área artística e cultural foi punk”, diz o artista, que trabalha com cultura desde 1990.
Durante o período sem apresentações presenciais, que se estendeu por quase um ano, Pial começou a produzir vídeos em casa, além de montar um espetáculo com a família para apresentar em eventos corporativos remotamente.
“A gente procurou trabalhar com arte dentro de casa justamente para não pirar a cabeça. Como todo mundo trabalha com arte (minha esposa é bailarina, meu filho dança e minha filha faz circo), montamos um show juntos e começamos a fazê-lo online”, conta.
Ainda assim, foi um período que afetou diretamente a renda do comediante. “Minha sorte é que eu tinha feito uma turnê boa um ano antes, então tinha umas economias”, conta. “Dei oficinas e workshops online, também tive a ajuda da Lei Aldir Blanc, então foi assim que a gente foi sobrevivendo.”
Com quase um ano e meio sem apresentações, Douglas Zoio usou este intervalo para gravar vídeos em casa e publicar nas redes sociais, como TikTok, Instagram e Kwai. O humorista soma mais de 124 mil seguidores e quase dois milhões de curtidas somente na plataforma do TikTok.
“Consegui atingir uma galera muito forte falando sobre trampo, sobre serviço, que é o que falo hoje em dia no meu stand-up. Foi bom porque não deixei minhas redes sociais estacionadas, continuei trabalhando e vim com algo novo”, conta.
Com o avanço da vacinação contra a Covid-19 e a redução no número de casos, o Estado de São Paulo passou a flexibilizar a quarentena, o que permitiu o retorno aos palcos para muitos comediantes. Desde novembro de 2021, os espaços culturais voltaram a receber 100% do público.
“Senti como se estivesse fazendo stand-up pela primeira vez, bateu nervosismo, esqueci piada, entreguei piada com timing errado... Acho que foi assim para todo mundo. Pelo menos os comediantes que converso tiveram essa mesma sensação”, relata Léo Ferreira.
Já Márcio Pial, que também retomou o ritmo de apresentações, diz que a tendência é melhorar daqui para frente. “Agora que está voltando tudo, acredito – e tenho fé – que as coisas não voltam a parar. Torço por isso”, conclui.
Serviço
Acompanhe a agenda de Léo Ferreira aqui, de Douglas Zoio aqui e de Marcio Pial aqui.