Secretário das Periferias explica por que movimentos sociais não são 'mimimi'
“Os movimentos têm uma função social num país que é um dos mais desiguais do mundo”, defende Guilherme Simões, do Grajaú e militante do MTST
Nos últimos anos, o termo “mimimi” tomou espaço nas redes sociais para se referir ou descrever pessoas que reclamam demais – por vezes, sem razão. Atualmente, parte da sociedade utiliza a expressão para diminuir pautas importantes vindas de movimentos sociais, do movimento negro, do feminismo e de pessoas LGBTQ+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queer e mais).
Mas é possível diminuí-los a meras “reclamações”? Para o professor de sociologia Guilherme Simões, 38, a resposta é não. Ele conta que os movimentos sociais cumprem uma função importante no Brasil e têm mais a ver com as periferias do que se imagina, mesmo para quem não vive em condições de vulnerabilidade.
“Assim como as pessoas não vão morar em encostas porque querem, os movimentos sociais não existem porque ‘são bonitos’. Eles têm uma razão de existência, uma função social num país que é um dos mais desiguais do mundo”, explica.
Cria do Grajaú, na zona sul de São Paulo, e militante do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) desde 2005, atualmente Simões comanda a Secretaria Nacional de Políticas para os Territórios Periféricos, uma das cinco secretarias que compõem o Ministério das Cidades, do governo Lula (PT).
Segundo ele, é imprescindível compreender a história do Brasil para entender a relevância desses movimentos. “Vivemos em um país que viveu sob quase 400 anos de escravidão. Ao terminar esse ciclo, a maior parte da sua população foi jogada à marginalidade. Não tiveram acesso aos direitos básicos, à terra, ao trabalho”, diz.
O secretário conta que, dentre as consequências dessa realidade, estão os conflitos fundiários e sociais que atingem, em sua maioria, a população periférica. “A formação histórica e econômica do país nos faz entender os movimentos sociais. Eles vêm para suprir o que o Estado não garante.”
Diante deste cenário histórico, Simões explica que os grupos sociais surgem como uma solução para problemas reais. “Não se trata de um capricho, mas é preciso combater a pobreza e a fome. Hoje temos direitos básicos, direitos humanos, civis e políticos que foram garantidos através de muita luta”, defende.
Conquistas reais
Além de conquistas importantes para a sociedade como um todo, o secretário diz que é preciso compreender a seriedade de atuação. “Existe a visão de que os movimentos sociais são comandados por vagabundos, mas essa é uma visão conservadora. Na verdade, a luta é feita para a melhoria da vida das pessoas”, aponta.
Os direitos trabalhistas são exemplos de conquistas do movimento de trabalhadores. “A jornada de oito horas de trabalho, por exemplo, é uma regra que protege o trabalhador, protege os mais pobres. E essa é uma conquista do movimento social brasileiro”, conta Simões.
Ele também diz que, diferentemente da visão distorcida que é propagada, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) não quer invadir a casa de ninguém. O movimento de moradia atua há 39 anos ocupando terrenos que não cumprem uma função social de bem-estar coletivo.
Uma terra que não cumpre função social é aquela que degrada o meio ambiente, tem trabalho escravo ou quando é improdutiva. Isso não significa que o movimento pode invadir um terreno particular de um cidadão comum, aponta Simões. “A maioria das pessoas depende dos movimentos sociais neste país”, explica.
A diversidade também não é “mimimi”. A luta do movimento LGBTQ+ também está diretamente ligada à garantia de direitos para quem está em situação de vulnerabilidade. Dentro da comunidade, existem grupos que enfrentam ainda mais obstáculos. A população trans, por exemplo, é mais suscetível a condições precárias, devido à falta de oportunidades de trabalho e educação.
Vale destacar que a própria Constituição Federal de 1988 garante direitos básicos à vida, como igualdade, segurança, educação, saúde, moradia, trabalho e lazer. “Os movimentos sociais são essenciais para colaborar com o trajeto do Brasil a um país menos desigual”, conclui Simões.
Secretaria das Periferias
A Secretaria Nacional de Políticas para os Territórios Periféricos foi criada para formular ações e programas com o objetivo de reduzir as desigualdades nas periferias das cidades. Cuidar da urbanização de assentamentos precários, coordenar ações para reduzir desastres em áreas de risco e implementar uma Política Nacional de Habitação também são competências da secretaria.