App leva debate e educação sexual para jovens de favelas
Movimento Partiu Papo Reto é responsável por iniciativa tecnológica que leva debate sobre direitos reprodutivos para jovens
Desde sua fundação, em 1990, a organização da sociedade civil Cepia Cidadania, localizada na região central do Rio de Janeiro, sempre teve como uma de suas principais diretrizes assegurar os direitos à saúde sexual e reprodutiva. Com as tecnologias da informação e comunicação ganhando espaço e relevância atrelada a um desejo da ONG de envolver de forma mais sistemática meninas e mulheres jovens em suas atividades de trabalho, surgiu em 2014, a ideia de desenvolver um aplicativo voltado para o público jovem que trouxesse informações confiáveis, sem juízo de valor, e de forma interativa e criativa sobre a temática sexualidade.
Para agregar os verdadeiros protagonistas da ação, adolescentes e jovens convidados pela Cepia participaram de toda a etapa do processo de criação do aplicativo. Na etapa inicial, a fim de saber o que elas e eles achavam de ter acesso a um app com esse objetivo, consulta sobre inclusão/exclusão digital, já que não faria sentido desenvolver algo pensado para adolescentes, em especial em situação de vulnerabilidade, se não fossem acessar.
Em seguida, foram realizadas oficinas junto a adolescentes nos seguintes locais: escolas municipais cariocas, Instituto de Saúde Coletiva da UFRJ e jovens participantes do programa governamental RAP da Saúde e profissionais de educação e saúde na validação do conteúdo.
Assim, sendo norteadores para a equipe entender sobre os principais assuntos a serem abordados, como abordá-los. Além da definição da identidade visual e o próprio nome do app. Finalmente, em junho de 2016, foi lançado então o aplicativo Partiu Papo Reto em um evento, no Rio de Janeiro, que contou com mais de 100 adolescentes e jovens que participaram de todo o processo.
As rápidas mudanças digitais na qual acontecem constantemente, o Partiu Papo Reto navegou pelos mares da tecnologia comunicacional. Migrando para as redes sociais, como Instagram e Facebook, a equipe da iniciativa, que é formada majoritariamente por mulheres e jovens, produz mensalmente vídeos que são postados no canal do Youtube da Cepia e no perfil do Instagram do próprio Partiu Papo Reto.
Os conteúdos audiovisuais são criativos, alegres e coloridos para manter o programa de formação e empoderamento para adolescentes e jovens, com publicações pensadas para serem feitas entre duplas e também subsidiar profissionais que atuam com a juventude.
Andrea Romani, 50, coordenadora de projetos na Cepia, conta como foi o processo de chamar a atenção do público juvenil: “Além do aplicativo e de mídias sociais, criamos essa identidade em diversas oficinas e atividades formativas que continuamos a desenvolver até hoje em parceria com escolas municipais e com a própria Secretaria Municipal de Educação [do Rio de Janeiro], levando para dentro de sala de aula temas ligados à cidadania, saúde sexual e reprodutiva, direitos humanos e protagonismo, envolvendo alunas e alunos, mas também professoras e professores”.
Com a chegada da pandemia, as atividades das oficinas presenciais em escolas públicas precisaram ser suspensas. Participando diretamente das formações foram mais 600 jovens, incluindo oficinas online no contexto de covid-19, com o envolvimento de alunas e alunos, profissionais das áreas de educação, saúde e assistência social, por meio do Programa Saúde na Escola.
No total, são 40 escolas de favelas e morros do Grande Rio e Nilópolis, na Baixada Fluminense, que atuaram nos cursos formativos. Por motivo das aulas serem remotas ao longo do isolamento social, as conversas estão sendo realizadas remotamente, por meio de reunião via Zoom, performances, quiz, pesquisas e pequenas webséries na internet.
Essas ferramentas não eram utilizadas mesmo antes da emergência sanitária causada pelo coronavírus acelerando o processo tecnológico do grupo e de outras organizações não governamentais.
A também coordenadora de projetos na Cepia, Mariana Barsted, 50, relata a forma que o debate sobre direitos sexuais e reprodutivos, independentemente de ser virtual ou presencial: “As oficinas nas escolas públicas são muito eficientes, são riquíssimas em troca de conhecimento, porque usamos essa metodologia dialógica, ou seja, nós não chegamos lá [nos colégios] com a postura que a gente sabe tudo e que aquilo é uma aula. Já falamos logo que aquele é um momento de troca de experiências e conhecimentos. Trabalhamos muito os projetos de vida voltados para os jovens”.
Atualmente, o Partiu Papo Reto ultrapassa 12 mil seguidores nas suas redes sociais. Antes de cada oficina por alguma plataforma digital é enviado aos estudantes um tutorial com o passo a passo do uso. Por mais que no modo físico o quantitativo era por volta de 40 alunos, virtualmente o número de professores participando obteve uma média de 68 nas salas virtuais. Em busca de patrocínio, o movimento Partiu Papo Reto continua girando sem parar na elaboração de materiais educativos para os jovens periféricos espalhados pelo país.
Exclusão digital e esperança na juventude favelada
Ao contrário das zonas nobres, nas favelas e nas periferias a falta de acesso tecnológico muitas vezes é motivada pela baixa qualidade do sinal. Uma pesquisa do Instituto Locomotiva revelou que 30% dos moradores de favelas brasileiras consideram ruim a disponibilidade do serviço de internet móvel 3G e 4G. Além disso, 13% não contam com internet em suas casas. Em outros termos, 43% de quem vive nas comunidades teriam acesso precarizado à rede.
Mariana Barsted, opina que a exclusão digital muitas vezes impede que adolescentes reflitam sobre temas como a sexualidade. “Às vezes são questões que não são faladas dentro de casa, os adolescentes muitas vezes recorrem uns aos outros ou agora a internet para ter essas informações que nem sempre são fidedignas", conta. "Com a pandemia, ficou muito evidente as desigualdades sociais no Brasil. Nem todo mundo tem acesso ao computador, nem todos tem acesso a internet ou acesso a um espaço em casa para que possa ficar concentrado para as aulas ou de formações como do Partiu Papo Reto, por isso o tema é menos difícil de ser abordado de forma virtual do que a desigualdade social que dificulta a pessoa está online”, completa.
O time que compõe o Partiu Papo Reto é formado por jovens que já fizeram parte de programas na Cepia. Esse é o caso de Kézia Sampaio, 21, a assistente de projeto da ong, que participou em junho de 2018, de uma tradicional formação em participação política e liderança feminina.
Após a imersão de três dias, a jovem moradora de Engenheiro Leal, zona norte do Rio de Janeiro, foi convidada pelas coordenadoras da organização para participar de uma oficina formativa na Escola Municipal George Pfisterer, no Leblon.
"Não participei da construção do aplicativo Partiu Papo Reto, mas a partir do momento que entrei para equipe da Cepia, participo das construções dos diálogos. As oficinas nas escolas eram incríveis, os adolescentes são muito abertos e quando eles conhecem esse trabalho que a gente faz, da educação entre pares, de mostrar que somos como eles, que pensamos como eles, que temos os mesmos gostos e as mesma vivência, eles se abrem com a gente. Os temas que trabalhamos também são extremamente necessários e percebemos o quanto eles valorizam esses diálogos nas escolas" diz Kézia.
Sobre a mudança do presencial para o online, ela afirma que “foi e ainda é um desafio muito grande". "Quando estávamos no presencial, tínhamos a atenção dos alunos. A Cepia sempre fechava projetos com duas turmas e trabalhávamos com 60 alunos em um único dia. Agora, no virtual, entendemos que estamos competindo com as outras milhares de atrações que temos na internet. Fora a dificuldade que sabemos que muitos enfrentam por conta do acesso a internet. Mas o diálogo continua, mesmo com 30, 20 ou até mesmo 5 alunos", complementa.
"Tentamos adaptar a maioria das dinâmicas que já tínhamos pronta e criamos várias. É muito legal ver que, mesmo nesses tempos difíceis que estamos vivendo, ainda sim, conseguimos continuar construindo debates importantes com cada menina e cada menino”, explica a assistente.
Finalizando e apontando uma sugestão para quem pensa no futuro tecnológico em pleno século 21, este será o desafio para as novas gerações. O importante é fazer planos, sonhar alto e acreditar, mesmo que as situações digam ao contrário.