Falta brinquedos, espaços e acessos para crianças em Curitiba
A interação com brincadeiras em espaços públicos é indispensável para a construção da infância de forma integral
Não são apenas os brinquedos que faltam para as crianças da ocupação Tiradentes, um dos bairros mais pobres da grande Curitiba. Se, no papel, brincar é um direito garantido pela Declaração Universal dos Direitos da Criança e pelo Estatuto da Criança do Adolescente, na vida real os meninos e meninas das periferias sentem a falta de parquinhos ou espaços ao ar livre na comunidade.
Existem projetos amparados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância, com o objetivo de chamar atenção do poder público e da sociedade para a garantia do desenvolvimento infantil a partir do brincar para todas as crianças. Mas nem sempre isso é visto na prática.
"As crianças brincam de bola, correm pela ocupação assim na no meio da rua. A comunidade que cuida, a gente não tem nem calçada, vai ter parquinho? Ainda bem que a comunidade é segura e todo mundo sabe quem é quem, porque senão as crianças estariam em casa sentadas sem fazer nada”, conta Marina Riquelme, 34 anos, mãe de Bryan, de 8, e Ana Clara, 11.
A catadora de materiais recicláveis Maria da Glória, é outra mãe que relata as dificuldades do acesso a espaços seguros para as crianças. “Dentro da comunidade não tem perigo de violência, mas não temos uma praça bem iluminada perto, os carros buzinam para as crianças saírem e eles passarem, é muito perigoso para os pequeninos que andam devagarzinho ainda", relata a catadora.
Segundo a pedagoga Júlia Tocchetto, doutora em educação, muitas crianças não têm espaços adequados para viverem as suas infâncias. Segundo ela, “ou as crianças vivem em favelas, ou em apartamentos pequenos com suas famílias, por isso é importante que espaços de educação infantil não sejam totalmente emparedados".
De acordo com Júlia, para que as crianças tenham sua infância respeitada de maneira integral, são necessárias políticas públicas voltadas para crianças. "O Estado precisa ofertar políticas públicas pensadas para infância precisam considerar o brincar. A criança precisa brincar na escola, em casa, nos espaços públicos. A brincadeira é o principal eixo de desenvolvimento das crianças", afirma.
Ainda de acordo com a pedagoga, escolas integrais são uma necessidade das famílias que também trabalham integralmente, garantindo assim que as crianças desfrutem de um ambiente seguro, agradável e afetivo. “Quando pensamos em tempo prolongado de atividades para crianças estamos pensando em ações lúdicas. Elas estão permitindo que as crianças sejam crianças? Ou não, elas são mecânicas e maçantes", questiona Júlia.
A pedagoga afirma ainda que o Estado precisa pensar sobre as crianças como sujeitos de direitos do presente e ouvir suas necessidades. “Crianças estão no aqui e no agora, não são pessoas que estão por vir. Infâncias pensadas somente na lógica do desenvolvimento para o futuro e no mercado, excluem o principal, a brincadeira”, afirma Júlia.
Onde e com quem brincam as crianças PCDs?
A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), divulgada pelo IBGE em 2021, registra que no Brasil 17,3 milhões de pessoas acima de dois anos têm alguma categoria de deficiência, isso corresponde a 8,4% da população. Embora estes sejam números da população de crianças no Brasil, são praticamente inexistentes os locais públicos que realmente são acessíveis para essas crianças, ainda mais quando direcionamos o olhar para as periferias.
Luiza Garcia, advogada e mãe de Ricardo, de 6 anos com deficiência motora, percebeu que enquanto os filhos mais velhos, de 8 e 10 anos, brincavam muito nos parques e praças da cidade, o caçula nunca teve a mesma oportunidade. “São poucos lugares adotados em Curitiba, e quando existem, há precariedades e, no caso das crianças com deficiência intelectual, é ainda pior, pois quase não existem equipes especializadas voltadas para o lazer dessas crianças, elas são vistas quase que integralmente com uma visão medicalizada ou estereotipada", afirma Luiza.
Amabili Rochi, professora da rede pública e ativista pelos direitos da pessoa com deficiência, explica que são muitas as barreiras que dificultam ou até inviabilizam a presença de pessoas PCDs em espaços publicos. “Podem ser barreiras arquitetônicas para pessoas com deficiência física, barreiras de comunicação para pessoas autistas, entre várias outras. Mas a principal, ao meu ver, são as barreiras atitudinais. Elas referem-se à atitude das pessoas diante de alguém com deficiência. É o capacitismo”, afirma.
Amabili relata que quando um dos seus filhos autistas tem uma crise, a família recebe olhares de julgamento e nenhuma ajuda. “Ajuda? Já fui até hostilizada ao usar a pulseira de proteção para que meu filho mais novo não saia correndo pela rua, como se eu estivesse sendo cruel com ele, quando na verdade é justamente o contrário”, desabafa a ativista.
Ela denuncia que em locais privados também não existe inclusão. “Aqueles parques que ficam dentro de shoppings para que as crianças brinquem enquanto os pais passeiam, comem ou fazem compras, não aceitam crianças autistas sem acompanhante, por exemplo. As pessoas não sabem como lidar, como agir”, conta a professora.
De acordo Amabili, as soluções são amplas. “Campanha sobre neuroadviersidades e deficiências, treinamento nos espaços públicos para que as pessoas conheçam e saibam como agir diante de uma crise, por exemplo, ou como abordar uma pessoa cega, um cadeirante. É urgente entendermos que as pessoas são diferentes e não há problema algum em se ter algum tipo de deficiência, além, claro, de adaptações dos espaços de lazer”, conclui a ativista.