Conheça o adolescente que já foi campeão no boxe e no xadrez
Após vencer a obesidade, Antônio Araújo Júnior se torna a grande revelação do município de Ferraz de Vasconcelos
Há quem pense que nas periferias brasileiras existam apenas praticantes e amantes de futebol. A verdade é que as quebradas são verdadeiros espaços onde campeões e campeãs são forjados para brilhar no mundo e representar o Brasil em diversos esportes. Este é o caso do enxadrista e boxeador Antônio de Araújo Júnior, 17, morador de Ferraz de Vasconcelos, município localizado na região metropolitana de São Paulo.
Jogar xadrez requer concentração, habilidade para prever jogadas em ponto futuro e muita paciência. Já o boxe exige do lutar consciência corporal, força física e poder de tomar decisões em frações de segundos. Características que Antônio foi lapidando ao longo da vida já que, por ser considerado um adolescente acima do peso, sofria com os apelidos e brincadeiras no ambiente escolar – o famoso bullying – e precisava se defender.
“Cara, eu era gordinho e cheguei a pesar 85 quilos aos 15 anos. O pessoal na escola me arrumava apelido e um deles era Tim Maia, mas é claro que na época eu não gostava da zueira e ficava meio sentido, mano. Analisando hoje, é uma honra receber esse apelido, porque o Tim Maia é uma referência para mim, tá ligado?”, lembrou o atleta.
O começo com o boxe
Tanto o xadrez quanto o boxe chegaram na vida de Antônio para trazer mudanças significativas. A ideia de praticar um esporte de tanto contato estava relacionada a meta pessoal de emagrecer que o estudante havia estabelecido. A paixão pela luta foi imediata e o resultado desta prática esportiva rendeu 12 quilos a menos. Além disso, o troféu de campeão do maior evento de boxe amador do Brasil, o Forja de Campeões, foi conquistado em janeiro de 2022, quando defendia o Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa (COTP).
“Mano, eu gostei tanto do boxe que me concentrei em lutar campeonatos e acabei vencendo o Forja de Campeões e ainda fiz uma luta pelo Campeonato Paulista de Boxe, organizado pela Federação de Boxe do Estado de São Paulo (Febesp). Acabei parando de lutar porque o centro olímpico é muito longe e a distância estava atrapalhando meus estudos”, explicou o pugilista.
Amor pelo xadrez
O contato com o xadrez veio durante os intervalos e aulas vagas na escola. Antônio explica que, enquanto alguns alunos jogavam futebol no pátio, ele aprendia xadrez com amigos. O jovem precisou driblar a ideia de que o xadrez era um jogo difícil e feito apenas para a elite praticar. O interesse pelo esporte cresceu à medida que a pandemia avançou e isolou as pessoas dentro de casa. Neste período, o afastamento social fez com que Antônio assiste aulas de xadrez pela plataforma Youtube.
“A ideia que se tem de quem joga xadrez é de um cara branco, de óculos e com a cara cheia de espinhas, ou seja, um estereótipo europeu. Mas, na real eu sou um cara preto da periferia que aprendeu a jogar xadrez com os amigos e pelo Youtube e estuda diariamente o jogo de forma bizarra”, reforçou.
Antônio aprofundou tanto os estudos que, em janeiro de 2021, depois de conseguir um emprego como operador de telemarketing, decidiu investir em aulas particulares com um professor de xadrez. “Eu nunca fui de gastar dinheiro com coisas supérfluas como tênis e roupas. Se for para gastar, prefiro investir em conhecimento, tá ligado?” comentou. “Eu tomei essa decisão porque queria melhorar minhas habilidades para poder disputar campeonatos”, completou.
Primeiros torneios
O investimento deu resultados e com apenas quatro meses de treinamentos Antônio já alcançava pontuação suficiente para disputar campeonatos em cidades da região metropolitana de São Paulo. O primeiro torneio disputado pelo jovem, em São Caetano do Sul, foi uma amostra de que o enxadrista poderia evoluir ainda mais e, para o estudante, “a experiência foi positiva mesmo não ganhando nenhuma partida.”
Outras oportunidades vieram e Antônio soube aproveitar bem, como no final do ano de 2021 em que o enxadrista disputou o Campeonato Paulista de Xadrez Rápido (uma das modalidades do xadrez). Embora a performance não tenha sido a esperada – ficou em 20º lugar – o que estava em jogo na verdade era a confirmação de uma posição social, isto é, a ocupação de um corpo preto e periférico em um espaço dominantemente branco elitista.
“Cara, geralmente, eu sou um dos únicos negros nesses torneios. Nunca percebi nenhum preconceito explícito, mas a gente sabe que um cara preto, de [penteado] black incomoda em qualquer lugar. Quando passei a frequentar ambientes de jogos de xadrez achava bem estranho não ter pessoas pretas, sabe? Mas, confesso que no começo era bem estranho mesmo”, destacou.
Enxadrista campeão
Após passar por experiências de derrotas que serviram de pavimento para sua caminhada, em 2022 Antônio disputou o Ferraz Chess Open, torneio de xadrez realizado pela Prefeitura de Ferraz de Vasconcelos, e se tornou campeão pela primeira vez. “Foi bem emocionante, porque de sete partidas eu ganhei as sete, tá ligado? O xadrez é um jogo de raciocínio e precisei calcular bastante as jogadas para ser campeão”, destacou.
Ao longo do tempo, a ideia que se construiu de que o xadrez é um esporte elitista é explicada por Antônio como razoavelmente correta. Segundo o atleta, para fazer parte da Federação Internacional de Xadrez (Fide) e disputar campeonatos no Brasil, o enxadrista precisa desembolsar uma quantia anual para a Confederação Brasileira de Xadrez (CBX), pagar a taxa de inscrição dos torneio que disputará e arcar com todas as despesas de deslocamento, hospedagem e alimentação, o que dificulta o ingresso de muitas pessoas no esporte.
Projeto social de xadrez
Pensando na dificuldade econômica que afasta os jovens das periferias de esportes tidos como elitistas, como é o caso do xadrez, Antônio deseja ser mais que referência e exemplo, ele quer ser um facilitador e provar que tudo é possível. Para o jovem, jogar xadrez não está relacionado à inteligência ou privilégios, mas a oportunidades que ele mesmo quer promover no futuro.
“Tem muito cara da quebrada que é bom, tem potencial para ser um mestre de xadrez, mas a falta de grana para se inscrever em torneios e para comprar material de estudo impede eles de acessarem estes espaços. Minha ideia é ser professor e fazer um projeto social para formação de novos enxadristas na periferia”, revelou o jovem.
Para quem passa uma tarde toda ao lado de Antônio, percebe que sua presença é elemento essencial para a perpetuação do xadrez nas quebradas de Ferraz de Vasconcelos. O enxadrista segue disputando torneios regionais e se enxerga como ponto focal para outros jovens. “Espero que o xadrez ganhe mais visibilidade e vou fazer minha parte me tornando mestre de xadrez para conseguir realizar meu sonho de ajudar outros jovens da periferia”, finalizou.