Script = https://s1.trrsf.com/update-1731943257/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Ex-feirante é o 1º guarulhense negro a se formar em Harvard

André Menezes se mudou para os EUA em 2017 para fazer mestrado em administração. Ele questiona a ausência de alunos negros na universidade

29 nov 2022 - 05h00
(atualizado em 5/12/2022 às 17h24)
Compartilhar
Exibir comentários
 André iniciou os estudos em Harvard em 2017
André iniciou os estudos em Harvard em 2017
Foto: Sarah Kay/Reprodução

“É muito raro ver um preto dentro de uma universidade americana. Contrariei as estatísticas e espero ver mais favelados ocupando o mesmo espaço”, cita André Menezes, 35, ex-feirante de Guarulhos, na Grande São Paulo, e mestre em administração pela Harvard, uma das universidades privadas mais prestigiadas dos Estados Unidos. 

André foi criado no bairro do Pimentas e, aos 16 anos, para conseguir estudar, vendia frutas nas ruas da Cidade Parque Brasília – bairro guarulhense onde mora atualmente. “A feira me deu uma base para investir em um curso de idioma e eu sonhei mais alto”, conta. 

Quando criança, ele pensava em ser jogador de futebol, mas por influência da mãe, dona Edna, abraçou a educação como meio de transformar a realidade dos familiares. “Minha mãe teve um câncer avançado, e o sonho de entrar na universidade. Infelizmente ela não pôde me ver me formar, mas carrego o sonho dela comigo.” 

Durante quatro anos vendendo laranjas nas feiras da cidade, André se preparou financeiramente para ingressar em universidades nacionais e internacionais. “A gente que é preto e favelado, sempre ouve coisas ruins sobre a gente. Busquei mudar isso, juntei o dinheiro para ressignificar minha trajetória”, diz. 

No Brasil, ingressou no curso de turismo em 2006, porém mudou de carreira para TI (Tecnologia da Informação) pela UNG (Universidade de Guarulhos). “Apesar da minha formação, sempre tive o sonho subconsciente de estudar novamente, fora do Brasil, principalmente em Harvard. Precisava lutar por isso”, comenta. 

Ele desabafa que, naquela época, não havia muitos acessos e informações sobre como estudar fora do Brasil. “Eu mandava milhares de e-mails, fazia ligações, até encontrar [a informação] que Harvard tem várias escolas e formas de entrada. Fiquei meses pesquisando.” 

Com 370 anos de existência, Harvard ocupa o 1º lugar no ranking das melhores universidades do mundo. Após inúmeras tentativas nos vestibulares internacionais, em 2017, André recebeu uma carta de aceite para o mestrado em administração na universidade norte-americana. 

O processo de aplicação é parecido com outras faculdades do país. É necessário realizar a prova TOEFL (Teste de Proficiência em Inglês como Língua Estrangeira), além de provas internas. “O mínimo para ingressar em Harvard é fazer 100 pontos nesta prova. Fiz 108, para mim foi uma conquista absurda”, conta. 

André diz que não havia referências negras na Universidade de Harvard, nos EUA
André diz que não havia referências negras na Universidade de Harvard, nos EUA
Foto: Sarah Kay/Reprodução

O abismo racial na universidade  

Em 2017, o ex-feirante se mudou para a cidade de Boston, no estado de Massachusetts, para iniciar as matérias no campus. “Na feira eu via mais dos meus – o povo preto – do que na universidade. Não havia referências negras naquele espaço”, conta. 

Atualmente, nove estados estadunidenses proíbem cotas raciais como meio de entrada nas universidades. Em reflexão pelas ausências de ações afirmativas, estudantes negros de nível graduado matriculados em faculdades e universidades norte-americanas representam apenas 14% dos alunos, de acordo com a NCES (Centro Nacional de Estatísticas da Educação). 

Em entrevista para a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), o vice-reitor de relações internacionais da Harvard, Jorge Dominguez, 77, cita que há mais de 100 brasileiros hoje na universidade. No entanto, dados sobre a raça dos estudantes não são divulgados pela instituição. 

André cita que realizou uma busca por outros alunos negros na instutição e que não há registros de outros estudantes pretos nascidos em Guarulhos, o segundo maior município de São Paulo. “Minhas referências de pessoas pretas de sucesso eram do futebol. Não virei jogador, mas conto minha história por isso, para gerar essa referência aos meus”. 

Em 2020, o então estudante retornou ao Brasil devido à pandemia de Covid-19. “As matérias eram flexíveis, optei em finalizar o curso de maneira online nesse período, mas foi uma experiência incrível estudar fora”, conta o – agora formado – mestre em administração. 

Hoje ele atua na área de tecnologia e inovação de um banco digital e diz que a formação em Harvard “mudou totalmente a vida dele”. “Pude ajudar pessoas conhecidas, além de melhorar minha condição financeira”, destaca. 

Após a formatura, o morador do Parque Brasília recebeu convites para participar de programas de TV e eventos, mas cita que o encontro mais marcante foi com o rapper Pedro Paulo Soares, mais conhecido como Mano Brown, membro do grupo Racionais MC’s. 

“Desde que me formei em Harvard, sempre tive muita vontade não só de conhecê-lo, mas também de agradecer. As músicas dos Racionais me incentivaram a sonhar”, conta. O encontro ocorreu em novembro de 2022 por meio da articulação de Aline Torres, secretária de cultura de São Paulo, que se tocou com a história de André. 

“Nunca vou esquecer da fala do Mano Brown de que a emancipação de um de nós não significa a emancipação do nosso povo. Infelizmente, milhares de jovens pretos de Guarulhos não chegaram onde cheguei por falta de oportunidades, mas espero inspirá-los”, conclui.

Agência Mural
Compartilhar
Publicidade
Seu Terra












Publicidade