Moradora desenvolve pesquisa sobre a Cohab 2, na zona leste de SP
Paola Hernandes criou exposição, documentário e websérie para registrar as memórias de pessoas que acompanharam o desenvolvimento da região
O Conjunto Habitacional José Bonifácio, conhecido popularmente como Cohab 2, em Itaquera, na zona leste de São Paulo, é um dos vários bairros do país construídos por meio de programas de moradia popular. São mais de 20 mil casas e apartamentos, entregues a partir do início dos anos 1980.
Nas últimas quatro décadas, o bairro se desenvolveu e, de acordo com o último censo do IBGE, tem mais de 120 mil habitantes atualmente. Para manter viva a memória e o registro deste território, a pesquisadora e multiartista Paola Hernandes, 24, se aprofundou no histórico da região e nas lembranças dos moradores.
Nascida e criada na Cohab 2, Paola se denomina uma mina “correria”. Ela sempre foi uma pessoa muito agitada e isso a influenciou a explorar ao máximo o que o bairro tinha a oferecer e a se interessar por diferentes atividades durante a infância e a adolescência.
“Sou a caçula de quatro irmãos. E é ‘mó brisa’ porque tive oportunidades que eles não tiveram. Porque sei que [antigamente] na Cohab era chão de terra, não tinha esporte, não tinha lazer. Na minha época, consegui pegar isso, e sem saber, tá ligado?”, conta.
Nessa fase, ela praticou esportes no Clube Escola José Bonifácio, estudou teatro durante o ensino médio na escola estadual Yervant Kissajikian, e cursou espanhol no Centro de Estudos de Línguas da escola Fadlo Haidar. Também fazia palhaçaria, canto e artesanato na oficina cultural Alfredo Volpi, e buscava opções de lazer em espaços como a praça Brasil e o parque Raul Seixas.
Em 2018, durante o curso de gestão de turismo na Fatec (Faculdade de Tecnologia) São Paulo, no Bom Retiro, região central da cidade, a jovem iniciou uma pesquisa sobre a quebrada onde nasceu como um projeto da disciplina de “turismo de bairro”.
Ela se dedicou tanto que a professora a convidou para aprofundar o trabalho através do programa de iniciação científica da faculdade. Paola fez um levantamento da história do bairro através de diversos autores, pesquisadores e jornais locais. Também entrevistou moradores antigos para complementar esse registro da região.
“Entrevistei dez pessoas e elas são representantes sociais do bairro. Elas estão na frente das lutas desde a década de 1980. Não tem como eu falar que a Cohab veio do nada, eu preciso trazer essas pessoas que vieram antes de mim”, diz.
O artigo acadêmico traz informações da Cohab José Bonifácio desde o período colonial, porém o foco é no desenvolvimento urbano que acontece a partir dos anos 1980.
Naquela época, o território deixou de ter características rurais para crescer e se transformar em um bairro urbano. Os relatos dos moradores mostram que isso trouxe problemas para quem já morava por ali: poluição do rio Jacú Pêssego, enchentes pelo bairro e falta de postos de saúde, equipamentos públicos, comércios e transportes.
Para resolver estes problemas junto ao poder público, é fundada, em 1981, a Associação dos Moradores do Conjunto José Bonifácio. Já em 1985, o morador José Arcanjo, um dos entrevistados por Paola, se reúne com outras pessoas e cria a Associação dos Mutuários do Conjunto José Bonifácio.
Ao longo dos anos, muitas pessoas e iniciativas criaram ou ocuparam espaços que se tornaram importantes pontos de cultura e lazer na região. Paola traz um levantamento de dez lugares com essa característica: Apoio Afro II, Okupação Cultural Coragem, Reação Hip Hop, Cordão Folclórico Itaquera, Centro Cultural Nagô, Tereza de Banguela, Horta Dona Severina, Grupo da Mata, Casa de Cultura Raul Seixas e Fala Negão, Fala Mulher.
Em 2019, ela finaliza a pesquisa, conclui o curso e entrega o artigo da iniciação científica. A preocupação em fazer com que esse material chegasse aos moradores da Cohab 2 fez com que ela buscasse uma especialização audiovisual e desdobrasse o material em três formatos: um documentário, uma websérie e uma exposição.
“Mesmo depois da faculdade, a pesquisa era viva. Sentia que ela ainda não tinha chegado para todo mundo. A pesquisa dá para continuar e não precisa estar na academia para ser pesquisadora”, opina.
Em 2020, é lançado o documentário “OcupAÇÃO do espaço: trajetórias de lutas e conquistas que desenvolveram o bairro Conjunto José Bonifácio” com os relatos dos moradores. No ano seguinte, a jovem produziu a websérie “Ocupação do Território Urbano - Quebrada Ocupa” sobre os espaços culturais do bairro com apresentação de dez artistas locais.
Já em 2022, a pesquisadora criou a exposição “Marginalidades - Memórias Territoriais”. Exibida na oficina cultural Alfredo Volpi, foi feita com fotografias de pontos de encontros do bairro, cartazes com frases dos moradores, representação temática de uma sala de um apartamento da região e a exibição do documentário.
Paola entende que as pessoas periféricas são desenroladas e a autonomia é uma característica forte desse povo: ou elas fazem a luta delas, ou elas fazem o corre delas; não tem um meio-termo. Por isso, a expectativa para o futuro é fazer o conteúdo chegar a cada vez mais moradores da quebrada, “de um jeito ou de outro”, como ela define.
“Assim como a memória é algo vivo, a pesquisa também é e ainda tem potencial de se desdobrar em outros formatos. O importante é meter marcha para fazer esse corre acontecer”, conclui.