Três anos do Massacre da Dz7: o que se sabe sobre o caso
Nove jovens morreram em dezembro de 2019 após uma ação da Polícia Militar dentro da comunidade de Paraisópolis, onde acontecia um baile funk
Madrugada de 1º de dezembro de 2019, uma multidão participava do baile funk da DZ7. Eram jovens de todas as idades, que se deslocaram de diversas regiões da capital paulista e Grande São Paulo para curtir o conhecido pancadão realizado na Rua Ernest Renan, em Paraisópolis, segunda maior favela de São Paulo, que fica na Zona Sul da capital paulista.
Naquele dia, os frequentadores do baile foram surpreendidos pela “Operação Pancadão”, uma ação violenta do 16º Batalhão da Polícia Militar do Estado de São Paulo, que resultou na morte de 9 – oito garotos e uma menina – que curtiam o evento. As vítimas tinham entre 14 a 23 anos, quatro eram adolescentes.
Os mortos eram Marcos Paulo Oliveira dos Santos, de 16 anos; Bruno Gabriel dos Santos, 22; Eduardo Silva, 21; Denys Henrique Quirino da Silva, 16; Mateus dos Santos Costa, 23; Dennys Guilherme dos Santos Franco, 16; Gustavo Cruz Xavier, 14; Gabriel Rogério de Moraes, 20; e Luara Victoria de Oliveira, 18.
Exames periciais confirmaram que a causa das mortes foi asfixia mecânica, provocada por sufocação indireta. A perícia dos corpos também indicou marcas de pisoteamento, com contusões e ferimentos, que levaram os jovens a óbito quando eles foram encurralados pela polícia. Ao todo, outras 12 pessoas ficaram feridas.
Na versão dos PMs envolvidos, o tumulto começou com uma suposta perseguição a uma moto com dois suspeitos que teriam atirado nos agentes e tentando se esconder no fluxo, que tinha cerca de 5 mil pessoas. Esse teria sido o motivo para atuarem na dispersão do baile funk.
Versão, no entanto, negada por testemunhas, que alegaram uma ação truculenta dos policiais, registrada em vídeos. 3 anos depois, o que se sabe sobre o caso? Veja abaixo.
Depois do Massacre
Ao todo, 31 policiais militares foram afastados das ruas e passaram a fazer trabalhos administrativos na corporação, porque são investigados como suspeitos de terem causado as mortes. Após as mortes, o então governador João Doria (PSDB) pediu "apuração rigorosa" do episódio. O Ouvidor das Polícias na época, Benedito Mariano, afirmou que "a PM precisa mudar protocolo".
Em julho de 2020, sete meses depois da ação, a Polícia Civil de São Paulo começou a ouvir os agentes. Em agosto, a promotora Luciana André Jordão Dias, do 1º Tribunal do Júri de São Paulo, apresentou provas para denunciar por homicídio doloso os policiais militares que participaram da ação.
Segundo ela, as provas apontam que os policiais agiram de forma intencional para encurralar os frequentadores, sem oferecer rota de fuga e sabendo que essa ação poderia resultar na morte das vítimas. A promotora acredita que houve homicídio doloso com dolo eventual, quando se assume o risco de matar.
Ainda em agosto de 2020, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) solicitou à Justiça a quebra dos sigilos telefônicos dos policiais militares, visando saber o local exato onde cada um dos PMs estava no dia do massacre.
Em outubro de 2020, a Polícia Civil e a Polícia Técnico-Científica de São Paulo recorreram a uma tecnologia inédita para recriar Paraisópolis em 3D e assim poder fazer a reconstituição da ação da PM. Em julho de 2021, o MP denunciou 12 PMs por homicídio doloso, quando se assume o risco de matar. Vídeos permitiram ao MP recriar a cronologia daquela madrugada.
A Justiça de São Paulo aceitou a denúncia do MP e marcou para o dia 25 de julho de 2023 a primeira audiência de instrução da ação da Polícia Militar. A audiência foi marcada pelo juiz Ricardo Augusto Ramos, do 1º Tribunal do Júri da capital, e deve ocorrer no Fórum Criminal da Barra Funda, Zona Oeste de São Paulo.
Até o momento, 8 das 9 famílias foram indenizadas. Segundo a Procuradoria Geral do Estado (PGE) e a Defensoria Pública de São Paulo, os acordos administrativos para indenizar os familiares foram finalizados há 1 ano. Em nota, a PGE ainda reforçou que os acordos e os seus valores estão sob sigilo a pedido das famílias.
“O Estado de São Paulo finalizou o pagamento das indenizações em 03.01.2022. Trata-se de ação interinstitucional que garantiu, em curto espaço de tempo, a análise jurídica dos fatos”, diz a nota da PGE.
Como o caso é investigado
O caso envolvendo as mortes em Paraisópolis é apurado em duas esferas criminais: a da Justiça comum e a da Justiça Militar.
Na Justiça comum, 13 policiais militares são réus no processo que apura a responsabilidade pelas mortes. Todos os agentes respondem aos crimes em liberdade. Doze deles são acusados pelo Ministério Público (MP) pelo crime de homicídio com dolo eventual, quando se assume o risco de matar. Um 13º agente é réu por expor pessoas a perigo ao soltar explosivos nelas.
Segundo a Promotoria, os PMs fecharam as vias de acesso ao baile e encurralaram os frequentadores numa viela. Depois jogaram bombas em direção às vítimas. Laudo necroscópico confirmou que elas morreram asfixiadas por sufocação indireta.
Ainda segundo a denúncia do MP, os PMs agrediram os jovens com golpes de cassetete, garrafas, bastões de ferro e gás de pimenta. Um dos policiais lançou um morteiro contra a multidão. Além da condenação, o MP requer a fixação de valor mínimo para reparação dos danos materiais e morais causados pelas infrações.
O entendimento dos promotores diferiu da conclusão da Polícia Civil que, em seu relatório final, indiciou nove PMs por homicídio culposo, aquele no qual não há a intenção de matar.
Como morreu e quem era cada jovem
Nenhum dos mortos morava em Paraisópolis. Veja abaixo quem são os nove mortos e como morreram:
Marcos Paulo Oliveira dos Santos – Primeira vítima a ser reconhecida, o jovem tinha 16 anos, era estudante e morava no Jaraguá, Zona Norte de São Paulo. Segundo a família, foi a primeira vez que Marcos foi ao baile funk. A família não sabia que ele tinha ido ao baile. Ele disse para a avó que ia comer uma pizza com os amigos. Ele morreu por asfixia.
Dennys Guilherme dos Santos Franca – O adolescente havia feito um post em uma rede social afirmando que estava no baile funk. Dennys morava na Zona Leste, a mais de 30 quilômetros de Paraisópolis. A causa da morte de Dennys foi também por asfixia.
Denys Henrique Quirino da Silva – O jovem de 16 anos era da Zona Norte de São Paulo. Trabalhava como ajudante de tapeçaria e gostava de frequentar baile funk. Ele faria 17 anos no dia 31 de dezembro, e morreu por asfixia.
Gustavo Cruz Xavier – A família do jovem passou o domingo procurando pelo rapaz. Na noite daquele dia, o corpo dele foi reconhecido por familiares. No velório, os parentes contaram que Gustavo era um menino quieto que gostava de jogos eletrônicos e sonhava em ser advogado ou jogador de futebol. Ainda bebê, perdeu o pai para o câncer.
Gustavo disse para a família que ia para o baile. Não deu mais notícias. A família, que mora no Capão Redondo, um bairro próximo, ficou sabendo que ele podia ser uma das vítimas ao receber um vídeo no domingo. Nele, o adolescente aparece de camiseta azul, desacordado, já asfixiado.
Gabriel Rogério de Moraes – O jovem foi velado em Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, onde morava. O pai Reinaldo Cabral de Moraes disse que Gabriel foi ao baile por insistência de amigos. Ele também morreu por asfixia.
Mateus dos Santos Costa – Baiano, Mateus havia se mudado para São Paulo há 17 anos. Ele era solteiro e morava sozinho em Carapicuíba, na Grande São Paulo, perto da casa do irmão, com quem trabalhava vendendo produtos de limpeza. Mateus costumava frequentar baile funk. Mateus morreu por traumatismo.
Bruno Gabriel dos Santos – Era de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Era o mais novo de quatro irmãos. Ele tinha completado 22 anos dias antes e disse à mãe que ia comemorar com amigos. Bruno também morreu por asfixia.
Eduardo Silva – Eduardo da Silva era ajudante de oficina e morava com a família em Carapicuíba, na Grande São Paulo. Morto por asfixia, o jovem deixou um filho que hoje tem 5 anos.
Luara Victoria de Oliveira – A jovem é a única mulher vítima da tragédia. Morava com uma amiga em Interlagos, na Zona Sul. Os pais dela já morreram. Criada pela avó, tios e primos, a jovem também morreu por asfixia.
Testemunhas e sobreviventes contaram ter visto policiais militares lançarem bombas de gás contra as pessoas que estavam no baile e fugiram para vielas do bairro na madrugada de 1º de dezembro de 2019. Ao menos nove PMs teriam chegado primeiro ao local. Depois vieram mais policiais.
De acordo com a Defensoria Pública, os agentes da PM encurralaram as vítimas em um beco sem saída, conhecido como Viela do Louro. Depois passaram a agredir os jovens, provocando tumulto. Vídeos gravados por moradores mostram as agressões durante a dispersão.
Muitas pessoas não conseguiram sair da viela e morreram sufocadas, prensadas umas às outras. Laudo pericial confirmou que oito vítimas morreram asfixiadas e a outra, por traumatismo.
Exames apontaram ainda que as vítimas chegaram mortas aos hospitais, algumas com lesões compatíveis com pisoteamento.