A filha mais velha do ex Comandante em Chefe do Exército concedeu uma entrevista exclusiva a Terra. Nela mostra a tensão que a família Pinochet Ugarte está vivendo com o início dos processos contra seu pai e reitera sua convicção em sua inocência.
Você é presidente da Fundação Nacional de Cultura desde 1982, fora este cargo há um objetivo de se voltar para a política? Talvez a prefeitura ou o senado?
Nunca me interessei pela política, somente me interessa o trabalho
cultural. Isso é o que me realiza.
Com a volta da democracia, o governo e as organizações de direitos humanos vêm promovendo mesas de diálogos para resolver os casos de desaparecimento durante o governo de seu pai. Você está de acordo com a mesa de diálogo, crê que seus acordos darão resultados positivos para O país?
Penso que qualquer gesto que se faça pela reconciliação do país é válido. Agora, não creio que os acordos se concretizem, não creio que realmente se encontrem todas as pessoas desaparecidas porque são muitos fatores em jogo.
Por quê você acredita que seu pai não deve ser julgado?
Porque quando ele foi processado as razões apresentadas para isto não foram, em nenhum momento, de peso para justificar um julgamento. E a escolha de uma minoria está tendo muito mais peso legal do que qualquer outra parcela da sociedade.
Como este processo está afetando sua família?
Há anos que nós estamos vivendo sob estresse, temos sofrido muito, estamos muito machucados. Tem afetado a saúde, o animo de todos nós, em todos os sentidos. Mas o que foi mais afetado tem sido meu pai.
E isto os está dividindo?
Não nos está dividindo nem nos está unindo. Simplesmente nos fez amadurecer como pessoas, porque sempre se amadurece com o sofrimento.
O que você sentiu com a inauguração do Monumento ao presidente Salvador Allende?
Penso que se o presidente Salvador Allende merece um monumento, meu pai merece outro monumento também, e com maior razão.
Qual sua opinião sobre o governo de Lagos?
Não tenho opinião, o governo tem pouco tempo ainda.
Você concorda que durante o governo de seu pai houve mortes e torturas?
Efetivamente durante o governo de meu pai houveram mortes, houve violência. Mas foi algo que existiu de ambos os lados. Não é como o que querem mostrar agora, que somente um lado atacou o outro lado desvalido. Não, houve um enfrentamento, vivíamos uma guerra civil. Houve violência de ambos os lados, crueldade e abuso por ambos os lados.
Acredita, então, que os culpados devem ser punidos que deveria haver uma lei de ponto final?
Se fossem castigar os culpados, teriam que ser castigados todos os culpados, dos dois lados. Se foi decidido que as pessoas que combateram as Forças Armadas fossem libertadas, também se teria que virar a página para os culpados de dentro do Exército.
Reconhecendo que houveram mortes, e considerando o ambiente conciliatório que o Chile está vivendo, você acredita que o senador Pinochet deveria pedir perdão em nome das Forças Armadas?
Sempre insistem nisto. Creio que não ajudaria em nada que meu pai pedisse perdão. Há uma razão muito grande pela qual ele não pede perdão. Ele não se sente culpado. Não se sente culpado porque o que ele fez, o golpe militar, o pronunciamento, como queira chamá-lo, foi a pedido de toda a sociedade. Não foi ele, movido por ambições pessoais, quem deu um golpe militar. Não tem que pedir perdão. Ele respondeu a um chamado da grande maioria da sociedade chilena.
O que explica então as mortes e torturas acontecidas, não em setembro de 1973, e sim mais tarde?
Efetivamente ocorreram, mas também não se pode esquecer que o Partido Comunista, mais adiante também recebia muito apoio do exterior, inclusive isto está registrado em livros de autores estrangeiros que nada tem a ver conosco, onde se reconhece que o PC recebia recursos para produzir o terrorismo no Chile. Por isto, a guerra e o enfrentamento seguiram no Chile nos anos que se seguiram ao golpe.
Na sua opinião quem foram os culpados pelos excessos dos anos 70?
Não posso responder isto, mas se bem me lembro os excessos vinham sendo gestados muito antes. O mundo inteiro estava confrontando-se em duas grandes correntes. Existia a guerra fria, Estados Unidos contra Rússia, capitalistas contra comunistas. É algo que vinha sendo gestado há muitos anos, esta crise dos anos 70 em nosso país. Mas foi um problema internacional.
Se você tivesse um familiar que foi detido, seqüestrado, torturado e posteriormente assassinado, qual seria sua postura atual?
Não sei, porque não vivi esta grande dor. Agora, eu sempre compreendo os familiares dessas pessoas, mas não esqueçamos que também há familiares dos que morreram sob o terrorismo, como os familiares do general Carol Urzúa, os familiares de tantos carabineiros (polícia chilena) que eram mortos pelas esquinas, somente pelo prazer de matá-los. Os matavam nas esquinas, pelas costas, sem dar-lhes a oportunidade de defender-se e muitos deles estavam somente orientando o trânsito. Todas essas pessoas também sentem grande dor. Meu respeito é por todas as pessoas que sofreram, seja de um lado ou de outro.
Você acredita que a esquerda promoveu os casos de mortes de seus membros durante a ditadura. Que ela fez uma uma grande publicidade internacional em comparação com os casos que afetaram, por exemplo, estes carabineiros que não foram levados ao conhecimento do público?
O que acontece é que a imprensa, em geral, é de esquerda, assim como o mundo hoje em dia, já que a história é cíclica. Então é divulgado que os esquerdistas foram vítimas e os outros seus carrascos e eles não reconhecem que houveram vítimas de ambos os lados. Então é mostrado ao mundo que houve um grupo de idealistas, chamado esquerda e um grupo de carrascos, chamado militares e civis que estiveram comprometidos com o regime. Mas essa não é a realidade. A realidade foi outra. Ademais não se pode tirar os acontecimentos do seu contexto histórico e nesse momento é o que estão fazendo. Hoje em dia vivemos outro mundo, outra realidade, não podemos julgar fatos passados partindo desta realidade.
Quer dizer com isto que na história recente as pessoas estão sendo injustas com seu pai?
Penso que sim. Não é que as pessoas sejam injustas, elas não compreendem. Além do mais a imprensa influi muito na opinião internacional e a imprensa pintou meu pai, o caracterizou como um homem cruel, um déspota. Ou seja não lhe deu sua verdadeira identidade e sim o caracterizou e o comparou com os homens mais cruéis que existiram na história. Obviamente as pessoas o repudiam. É uma reação lógica. Não está sendo mostrado o verdadeiro homem.
Qual sua opinião sobre os militares que estão sendo processados atualmente e que tem dito que seus superiores não os estão respaldando?
Imagino que estas pessoas esperam que o exército lhes de maior apoio porque eles foram membros do exército, não foram civis. Por exemplo o General Gordon que acaba de falecer. Ele foi detido e condenado até que a pressão foi tão grande que este senhor morreu aos 72 anos. Ele morreu no mesmo dia em que determinaram que ele não tinha nada a ver com os assassinatos pelos quais o estavam acusando. Então, obviamente que existem muitas pessoas como ele que querem maior apoio.
É justo que os militares cumpram suas penas em condições "especiais" e não em cárceres comuns?
Eu creio que antes que falemos de militares cumprindo penas, penso que estas suposições tem que terminar e começar a provar as acusações porque a opinião mundial está condenando a priori pessoas que ainda estão sendo julgadas e isto não é justo. É injusto que uma pessoa que está sendo julgada já esteja condenada. Por quê vamos falar de condenações se nada está provado nem eles estão condenados?
Concorda com a opinião de Manuel Contreras, que disse que a CIA esteve envolvida com as mortes de Prats, Leighton e Letelier?
Não tenho informações sobre isto. Eu sou uma pessoa civil. Os que têm estas informações são os que viveram estes fatos.
Teria preferido nascer em uma família simples e comum?
Indubitavelmente. Sim. Mil vezes, sem dúvida alguma.
Foi muito difícil?
Sim, tem sido difícil. Uma certa época não me pareceu tão difícil, mas quando meu pai foi detido e vi a tremenda publicidade que se deu a isto, contra ele, e quando já o haviam julgado por delitos e não haviam provado nada, me dei conta que terrivelmente a história me colocou próxima a uma pessoa que foi injustamente condenado pela opinião publica. E senti que meu pai não tivesse investido dinheiro para defender-se e para melhorar sua imagem quando era presidente.
Como é a relação entre você e seu pai, vocês são próximos?
Nossa relação é boa, muito boa. Somos próximos, sempre tivemos uma relação muito boa. Isso não quer dizer que não diga a meu pai tudo o que penso.
Vocês brigam?
Quando era mais jovens tínhamos discussões. Agora que está velhinho e doente não as temos mais. Tento fazer sua vida o mais agradável possível.
Acredita que o senador Augusto Pinochet está mentalmente lúcido?
Complemente. Está absolutamente lúcido. O que está acontecendo o está deixando muito estressado. Foi detido depois de uma operação. A única coisa que precisava era repouso e tranqüilidade e em vez disto teve uma detenção na qual contentemente lhe diziam que seria liberado, o que também traz muito estresse.
Se está lúcido por quê não faz declarações à imprensa?
Porque está lúcido, mas está vivendo sob um estresse muito grande.
Atualmente o senador Augusto Pinochet tem mais de cem páginas na Internet, muitas contra ele. O que acha deste novo meio que está revolucionando nosso mundo?
É algo fantástico para mim, que sou de uma geração anterior a de vocês mais jovens. É algo que significa que o mundo vai ficando cada vez menor. E isto, a globalização, é algo que não tem volta. Vamos chegar ser uma aldeia global e talvez o homem vá olhar outros planetas e dimensões.
Você já usou ou usa a Internet?
Não sei usá-la, mas meus filhos sim e meu escritório também. É um meio fantástico para educação, cultura, informação, comunicação.
O que diria aos chilenos neste momento que, se supõe, seja de reconciliação?
Eu sempre quis a reconciliação e sempre penso que nós chilenos temos que olhar para o futuro e virar a página. Não podemos prosseguir com ódios e divisões. O país não vai progredir assim. Além do mais me parece que quando alguém tem ódio constantemente, é como quem semeia vento e depois colhe tempestade.
Você sente ódio por alguém, pelos que tem agredido seu pai?
Não. Eu sou católica, cristã. Acredito que é melhor sentir amor que ódio. É mais positivo para todos. Quanto as pessoas que tem agredido meu pai eu penso que mais dano causam a si mesmos do que a nós.