Já se passaram 55 anos desde que Elza e Mané, ou Crioula e Neném como se chamavam intimamente, começaram a namorar, um ano depois de se apaixonarem durante a Copa de 62, no Chile. A cantora não esquece de nenhum detalhe. “Fui convidada para assistir um treino, lá nos conhecemos. Em seguida fui escolhida para ser madrinha da Copa de 62 e viajei com a Seleção para o Chile. Lá consolidamos nosso romance.”
A história de amor abalou a tradicional família brasileira. Garrincha era casado, quando conheceu Elza e ela acabou sendo acusada de terminar com o relacionamento do craque. “Vivo aquilo que acredito, acreditava no meu amor e não precisava da aceitação de ninguém para viver o amor da minha vida. Paguei caro, mas vivi o amor. Nunca aceitaram nosso relacionamento”, desabafa.
O alcoolismo de Garrincha, que morreu de cirrose, em 83, foi uma das batalhas perdidas por Elza. “Como toda pessoa que sofre dessa doença terrível, ele se alterava quando bebia. Ele era o médico e o monstro.”
Mas Elza, eleita pela BBC de Londres como a cantora do milênio, prefere guardar as lembranças do médico, da Alegria do Povo, do anjo das pernas tortas, que até hoje encanta quem aprecia o futebol arte. “Futebol é arte, não tem como separar uma coisa da outra. Basta lembrar do Mané jogando futebol para se convencer que o que ele fazia, era arte. Infelizmente ele não é valorizado no Brasil como deveria. Pouco se fala dele, pouco se lembra dele.”
Fora de campo, o bicampeão mundial Garrincha também flertava com a arte e tinha um gosto musical que cativou Elza desde o início. “O Mané era louco por Frank Sinatra, Celia Cruz e Billy Holliday. Aliás, ele dizia que eu parecia muito com a Billy.”
Apesar de ter enfrentado o machismo e sofrido com o alcoolismo de Mané, Elza considera um episódio ocorrido durante a Ditadura Militar, em 1969, como o pior momento que ela viveu ao lado do bicampeão mundial. “Nossa casa foi metralhada e tivemos 24 horas para deixar o país. Fiquei marcada porque participei de um show do Geraldo Vandré, que era visado por ser um artista de esquerda. Fomos para Roma, onde moramos durante mais de dois anos.”
Por isso, os elogios do presidente eleito Jair Bolsonaro ao torturador Carlos Alberto Brilhante Ulstra, somado às pessoas que defendem a volta da ditadura militar, preocupam Elza. Só que a filha de lavadeira, que nasceu na favela e foi mãe aos 13 anos, prefere continuar onde sempre esteve: na luta. “Sempre disse que no Brasil plantando tudo dá, até o que não presta! Estamos vivendo um momento bem complicado. Todo dia é dia de luta, principalmente contra o machismo e a violência contra a mulher”, ensina Elza, que acaba de ter sua biografia lançada pelo jornalista Zeca Camargo, cujo lançamento em São Paulo está marcado para o dia 21 de novembro, na Livraria Cultura a partir das 19h.