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Ingmar Bergman (1918-
) -
O cinema transcendental
A obra de
Ingmar Bergman compõe um dos mais ricos e essenciais capítulos da história
do cinema. Como poucos, o diretor se apropriou da linguagem para realizar
um conjunto significativo que transcende a própria experiência cinematográfica.
Abordando temas intrínsecos à existência humana – como desejo, morte
e religiosidade –, o cineasta rompeu as fronteiras do cinema sueco e atingiu
a universalidade.
A relação de Bergman com o cinema antecede seu trabalho como profissional. Antes
de estrear na tela, já havia descoberto o cinema como forma de expressão
e até de sobrevivência. Aos 9 anos, no natal de 1927, não resistiu à tentação
de ver o irmão presenteado com um projetor e sugeriu uma barganha definitiva
para o futuro de sua vida: trocou um exército de chumbo pelo cinematógrafo.
Filho de pastor luterano, amargou uma criação autoritária, baseada em
conceitos relacionados ao pecado, confissão, castigo, perdão e indulgência.
Em sua autobiografia, Lanterna mágica, Bergman faz relatos impressionantes.
Sempre que contava uma mentira recebia castigos constrangedores, como
desfilar vestido de menina ou ser trancafiado num armário. É nesse período
que vivencia sentimentos como vergonha ou humilhação, tão explorados em
seus filmes.
A iniciação profissional do diretor se deu através de um dos patriarcas
do cinema sueco, Victor Sjostrom, homenageado em Morangos
Silvestres, em que Sjostrom interpreta o protagonista que perde
a noção da memória face à iminência da morte.
Do mestre, diretor do clássico O Vento, com Lilian Gish, Bergman herdou
a compreensão da natureza como elemento de sustentação drmática. É o
que ocorre, por exemplo, em Monika e o Desejo, onde o verão inunda a trama
de sensualidade.Foi esse filme, por sinal, que despertou o interesse de
Woody Allen pelo diretor sueco.
Embora Bergman seja quase sempre lembrado por suas obsessões mais frequentes,
como o passar do tempo, a morte e a impossibilidade de comunicação, presentes
em filmes como Luz de inverno, O
Sétimo Selo, O Silêncio, Persona e tantos outros, o conhecimento
mais aprofundado de sua obra revela um autor de talentos múltiplos.
O Olho do diabo, Sorrisos de uma noite de Amor e Para não falar
de todas essas mulheres são filmes de um bom-humor surpreendente,
sobretudo quando se sabe que são filmes do mesmo autor de Vergonha,
Face a face e Da Vida das Marionetes.
Com larga experiência
teatral (foi diretor do Teato Municipal de Goteborg , do Teatro de Malmoe
e até hoje continua encenando), Bergman trabalhou em seus filmes com uma
equipe que praticamente não se alterou. Harriet Andersson, Erland Josephson,
Max Von Sydow, Ingrid Thulin, Liv Ullman e o insuperável Gunnar Bjornstrand
são apenas alguns dos nomes imortalizados pelo seu cinema.
Sem eles, não existiria essa obra feita a base de rostos, gritos, silêncios
e sussurros. Apesar da fama mundial, Bergman não usufrui do mesmo prestígio
na terra natal, a Suécia. Acusado de burlar o fisco, em meados da década
de 70, caiu em desgraça. Desde então, vive recluso na ilha de Faro, de
onde só sai para encenar suas peças teatrais ou realizar especiais para
a tevê. Fanny e Alexander, Oscar de 1985, foi seu último trabalho
para o cinema.
FILMOGRAFIA
1)Kris (Crise) - 1945
2)Det Regnar paa Vaar Kaerleck (Chove em Nosso Amor) -1946
3)Skepp till Indialad (Um Barco para a Índia) - 1947
4)Música na Noite (Musik I Morker) - 1947
5)Porto (Hamnstad) - 1948
6)Fangelse (Prisão) - 1949
7)Sede de Paixões (Torst) - 1949
8)Till Gladje (Rumo à Alegria) - 1949
9)Saat Hander Inte Har ((Isto Não Aconteceria Aqui) - 1950
10)Juventude (Sommarlek) - 1951
11)Quando as Mulheres Esperam (Kvinnors Vantam) - 1952
12)Mônica e o Desejo (Sommaren Med Monika) - 1952 13)Noites de Circo (Gyclarnas
Afton)
14)Uma Lição de Amor (En Lektion I Karlek) - 1954 \
15)Sonhos de Mulheres (Kvinnodrom) - 1955
16)Sorrisos de Uma Noite de Amor ((Sommarnattens Leende) - 1955
17) O Sétimo Selo (Det Sjunde Inseglet)
- 1956*
18) Morangos Silvestres (Smultronstallet)
- 1957* 19) No Limiar da Vida (Nara Livet) - 1957
20) O Rosto (Ansiktet) - 1958
21) A Fonte da Donzela - (Jungfrukallan)
- 1959
22) Djavulens Oga (O Olho do Diabo) - 1960
23) Através de um Espelho (Saasom I en Spegel) - 1960
24)Nattvardsgasterna (Luz de Inverno ou Os Comungantes) - 1962
25)O Silêncio (Tystnaden) - 1962
26)For Att Inte Tala Om Alla Dessa Kvinnor (Para não Falar de Todas Essas
Mulheres) - 1963
27)Quando Duas Mulheres Pecam (Persona) - 1966
28)Stimulantia (Dirigiu o episódio Daniel)
29)A Hora do Lobo (Vartimmen) - 1968
30)Vergonha (Skammen) - 1969
31)Faro (Documentário de méia-metragem sobre a ilha onde Bergman vive)
- 1969
32)Ritten (O Rito, filme feito para a tevê) - 1969 33)A Paixão de Ana
(En Pasion) - 1970
34)A Hora do Amor (The Touch) - 1971*
35)Gritos e Sussurros (Viskningar Och Rop) - 1973* 36)Cenas de um Casamento
(Scener ur ett Aktenskap) - 1974*
37)A Flauta Mágica (Die Zauberfloete) - 1975*
38)Face a Face (Ansiktet mot Ansiktet) - 1976
39)Sonata de Outono (Hortssonat) - 1978*
40)O Ovo da Serpente (Das Schlangenei) - 1979*
41)Da Vida das Marionetes (Aus dem Leben der Marionetten) - 1980*
42)Fanny e Alexander (Fanny och Alexander) - 1982* 43)Depois do Ensaio
(Efter Repetitionen) - 1984* 44)Les Deux Bienheureux (título em francês)
filme feito para a tevê - 1986
45)Diário de uma Filmagem (documentário sobre Fanny e Alexander) - 1986*
46)Le Visage de Karin (título em francês) filme feito especialmente para
a tevê - 1986
OBS: Os filmes cujos títulos em português aparecem inicialmente
tiveram exibição no Brasil
* Filmes disponíveis em vídeo
Ricardo Cota, 33, é crítico de cinema
do Jornal do Brasil há oito anos, com passagens pelas revistas Cinemin,
Set, Tabu, Cinema e IstoÉ, além do jornal O Dia. Foi autor dos cursos
Bergman/Woody Allen: Dois Cineastas Face a Face; Huston/Coppola: Os jogadores;
e O Cinema Cantado, Breve História dos Musicais.
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