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LOUIS MALLE, um cineasta sem hipocrisia (1932-1995)

Nascido em 1932, Louis Malle é um representante atípico da geração de cineastas que formaram a nouvelle vague.  Embora tenha sido contemporâneo de Truffaut, Goddard e Chabrol, a santa trindade do movimento, jamais foi bem aceito pelo grupo, talvez por não se adaptar a dogmas estéticos e formais. Mesmo descolado dos enfants terribles do cinema francês, Malle conseguiu projeção mundial realizando filmes que tocaram nos principais tabus do mundo ocidental, como a liberação feminina (Os Amantes, 1958), o suicídio (Trinta Anos Esta Noite, 1963),  o incesto (O Sopro no Coração, 1970) e a pedofilia Menina Bonita (Pretty Baby, 1978). 

Seu alvo principal sempre foram os arraigados costumes burgueses, que em suas obras parecem estar sustentados por uma malha fina de hipocrisia, medo e frustração. Formado em Ciência Política na Sorbonne, Malle no início da carreira foi assistente de Robert Bresson e do pesquisador submarino Jacques Cousteau, com quem realizou o documentário O Mundo do Silêncio, de 1956, vencedor do Oscar e da Palma de Ouro. 

No final da década de 60, ele retornaria ao gênero realizando em 16mm o revolucionário Calcutta, filme documental sem narrador. Ascensor para o Cadafalso, de 57, foi a primeira experiência  solo do diretor, uma incursão pela atmosfera noir parisiense, com trilha excepcional de Miles Davis e interpretação idem de Jeanne Moreau. 

Daí para frente sua carreira foi até o fim pontuada de escândalos. Os Amantes, Sopro no Coração e mesmo Perdas e Danos, realizado em 1992, foram vítimas de cortes da censura.  Já Lacombe Lucien, de 1973, irritou seus compatriotas por tocar no sempre incômodo tema do colaboracionismo francês com os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

Mas se há um filme capaz de resumir a rica filmografia desse diretor que imprimiu em seus filmes as crises do seu tempo, este é O Sopro no Coração, que reúne aspectos de diversas fases do autor, da explosão feminista de Os Amantes até a crônica colegial Adeus, Meninos

Há ainda a inquietude de Trinta Anos Esta Noite e a crítica à decadência burguesa de Loucuras de uma Primavera, de 1989, brilhante reavaliação da década de 60. Em O Sopro no Coração, Laurent (Benoît Ferreux) é um intelectual precoce apaixonado por jazz e filosofia. O pai, um protótipo do burguês decadente. Os dois irmãos ironizam (ou invejam?) a condição de favorito da mamãe e empurram o perplexo garoto para o mundo dos adultos, chegando a forçar sua patética iniciação sexual. No meio de tantos machos, quem domina a cena é a mãe, Clara (Lea Massari), imigrante italiana que espana o mofo daquela que tinha tudo para ser uma família tradicional. Desejo, ciúme, raiva e inveja só são resolvidos na famosa sequência entre mãe e filho que tanta polêmica provocou à época. 

Mas com certeza não foi só a corajosa abordagem do incesto que incomodou os moralistas.  Os ataques às insinuações libidinosas dos padres e ao esnobismo dos nacionalistas tampouco passaram despercebidos, confirmando assim a eficácia da obra do diretor francês, capaz de responder aos tabus e às regras sociais com uma única palavra: ternura.

Louis Malle morreu em 1995, aos 63 anos, de câncer, deixando viúva a atriz Candice Bergen.  Realizou trinta longa-metragens. Foi um dos raros diretores franceses a firmar carreira nos Estados Unidos.  Seus filmes são fundamentais para todos aqueles que um dia quiserem entender as angústias sociais que atormentaram o homem moderno na segunda metade do século XX. Sem hipocrisias.


FILMOGRAFIA

- "Tio Vânia em Nova York" (Vanya on 42nd Street), 1994
- "Perdas e Danos" (Damage/1992)
- "Loucuras de Primavera" (Milou en Mai/1989)
- "Adeus Meninos" (Au revoir les enfants/1987)
- "The Pursuit of Happiness" (1987/TV)
- "God's Country" (1986/TV)
- "A Baía do Ódio" (Alamo Bay/1985)
- "Crackers" (1984)  
- "My Dinner with André" (1981)
- "Atlantic City" (1980)
- "Menina Bonita" (Pretty Baby/1978)
- "Close Up" (1976)
- "Black Moon" (1975)
- "Lacombe Lucien (mesmo título em português) (1974) - "Humain, trop humain"(1974)
- "Place de la Republique" (1974)
- "O Sopro no Coração" (Le Souffle au coeur/1970)
- "L'Inde fantôme, L'" (1969/TV)
- "Calcutta" (1968)
- "Histórias Extraordinárias" (Histoires extraordinaires/1968)
-
"O Ladrão Aventureiro" (Le Voleur/1967)
- Viva Maria (mesmo título em português) (1965)
- "Bons baisers de Bangkok" (1964/TV)
- "Trinta Anos Esta Noite" (Le Feu follet/1963)
- "Vive le tour" (1962) curta-metragem
- "Vida Privada" (Vie privée/1961)     
- "Zazie no metrô" (1960)
- "Os Amantes" (Les Amants/1959)
- "Ascensor para o Cadafalso" (Ascenseur pour l'échafaud/1958)
- "O Mundo do Silêncio" (Le Monde du silence/1956)


Ricardo Cota
, 33, é crítico de cinema do Jornal do Brasil há oito anos, com passagens pelas revistas Cinemin, Set, Tabu, Cinema e IstoÉ, além do jornal O Dia. Foi autor dos cursos Bergman/Woody Allen: Dois Cineastas Face a Face; Huston/Coppola: Os jogadores; e O Cinema Cantado, Breve História dos Musicais.

 

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