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ASSÉDIO
De Bernardo Bertolucci






RAPIDINHO
O tema é contemporâneo, pertinente e dramático: garota africana, fugindo de uma ditadura que prendeu seu marido e ameaça sua vida, vai para a Europa trabalhar como empregada doméstica e é obrigada a reconstruir sua vida num mundo diferente e hostil. O diretor (e co-roteirista) é Bernardo Bertolucci, que já nos ofereceu várias obras-primas. Com estas credenciais, Assédio despertava uma grande expectativa. Infelizmente, não cumprida. O filme tem duas ou três cenas que mostram o velho Bertolucci de sempre - vigoroso, irônico, ideologicamente posicionado -, mas, no todo, é um exercício monótono, indeciso entre o drama intimista e a reflexão sócio-cultural, entre a investigação de uma sensualidade reprimida (e por isso infantil) e uma discussão da fidelidade no casamento.

AGORA COM MAIS CALMA
O roteiro é frouxo, e o diretor cometeu o erro de escalar Thandie Newton como atriz principal. Embora não seja o desastre absoluto de MI2, ela contribui com o clima sonolento e mais parece uma branca, azeda e blasé, toda pintada de preto. David Tewlis, como um pianista inglês talentoso e frustrado, defende-se bem. É dele a melhor cena do filme: chama seus alunos (os únicos ouvintes possíveis) para a primeira execução de uma composição própria. No início, a atenção é grande, mas as crianças vão se dispersando, atrás de uma bola, ou simplesmente para brincar no jardim. O pianista, vendo-se sozinho, também vai para o jardim, onde é capaz de divertir seu público com outras habilidades. Contudo, há uma criança, e apenas uma, que prefere o piano. Bertolucci mostra que ainda é um mestre, mas, no todo do filme, revela-se um mestre cansado.

A palavra "assédio" é totalmente inadequada para resumir a história. O pianista, logo no início do relacionamento, diz que está apaixonado e propõe casamento. Ela não pode, porque não quer (ou pelo menos não consegue demonstrar interesse algum) e porque não pode (já é casada). A partir daí, o pianista afasta-se, respeitando a posição de sua empregada. Não há assédio. Há a reiteração constante do desejo do pianista, que mais parece um adolescente amedrontado e incapaz de lutar pelo seu amor. Neste momento, o filme tenta contar a lenta trajetória emocional da personagem de Thandie Newton, que passaria da indiferença à compaixão, e desta para um início de amor. Se fosse uma grande atriz, e se o roteiro conseguisse criar situações mais dramáticas, mais explícitas, talvez essa trajetória adquirisse contornos semelhantes aos encontrados em O céu que nos protege: amores difíceis demais num mundo absurdo demais.

O fim – que não vou contar – fica bastante artificial. Deixar a história suspensa, o enredo aberto, para que o espectador preencha como quiser, pode ser uma excelente idéia para um filme igualmente aberto, que ofereça caminhos e deixe dúvidas quanto aos objetivos dos personagens. Assédio não é um filme assim. É linear e previsível. Quem não adivinhou antes que a empregada acabaria aproximando-se do patrão, para que acontecesse o inevitável "encontro dos párias"? Ao economizar no orçamento (é um filme barato, feito com dois atores e poucas locações), Bertolucci parece ter limitado também sua criatividade. Não havia, realmente, nenhuma justificativa dramática para suas famosas gruas e extraordinários movimentos de câmara, mas também não precisava filmar com desleixo. Assédio é um pequeno filme que, infelizmente, não passa de um filme pequeno do grande mestre Bertolucci.

Assédio (Itália, 1998). De Bernardo Bertolucci

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Carlos Gerbase é jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor. Já escreveu duas novelas para a Terra Networks (A gente ainda nem começou e "Fausto"). Atualmente finaliza seu terceiro longa-metragem, Tolerância, com Maitê Proença e Roberto Bomtempo.

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