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TEMPESTADE DE GELO

RAPIDINHO

Filme estranho, belo, desconcertante. "Tempestade de gelo" é prova de que, quando um diretor com novas idéias chega a Hollywood e consegue razoável autonomia autoral, o resultado ainda pode ser surpreendente. Ang Lee já tinha feito "Banquete de casamento" e "Razão e sensibilidade", ambos interessantes, mas agora conseguiu falar de temas clássicos do cinemão americano (família e adultério) com uma frescor e uma profundidade que há muito não víamos na tela.

É um daqueles filmes que sobrevivem ao acender das luzes na sala de cinema, porque sua dramaturgia está a serviço de idéias; porque suas reflexões são, ao mesmo tempo, ácidas e bem-humoradas; porque seu roteiro não segue aquele velho caminho, já tão conhecido que podemos trilhá-lo de olhos fechados. O único senão de "Tempestade de gelo" é o seu final, melodramático demais, apesar de totalmente verossímil. Para quê fazer o público chorar? Mesmo que esta fosse a conclusão do romance de Rick Moody (que não li), Ang Lee poderia ter filmado com maior distanciamento, com mais razão, com mais sensibilidade. Mas não dá pra negar: mesmo assim o final de "Tempestade de gelo" é um pontapé bem dado nos finais felizes que Hollywood costuma nos proporcionar..


AGORA COM MAIS CALMA

O ano é 1973. Mas poderia ser 1999. Nada mudou tanto assim. Numa cidadezinha da Nova Inglaterra, acompanhamos o cotidiano de duas famílias de classe média. Os pais estão com mais de 40 anos, são adultos, sexualmente maduros, mas um pouco entediados. Os filhos têm entre 12 e 15 anos, são adolescentes (ou pré-adolescentes) descobrindo o mundo, o sexo, as drogas e as confusões que vão ter que encarar quando deixarem definitivamente a infância.

O roteiro (e que belo roteiro!) vai contando histórias dos vários personagens ao mesmo tempo. Às vezes, pode parecer um pouco confuso (principalmente o que acontece com os jovens), mas, com o desenrolar do filme, tudo vai se encaixando perfeitamente. O conflito básico dos casais é um adultério, que, nos tempos pré-AIDS e pós-hippies (e a adúltera é uma hipponga velha clássica, bela criação de Sigourney Weaver), poderia ser escondido sem maiores problemas, se ficasse restrito aos "pecadores".

Mas, naquela pequena cidadezinha americana, uma tempestade está para chegar. Seus ventos têm capacidade para derrubar padrões de comportamento e propor alterações nos seculares hábitos familiares. A "festa das chaves", além de muito engraçada, é um exemplo maravilhoso de como a sociedade americana tenta absorver a "nova" (e potencialmente "revolucionária") liberdade sexual, através de regras socialmente aceitáveis. Enquanto os adultos brincam de "somos jovens", os jovens brincam de "somos adultos". E isso, além de gerar boas piadas, é muito dramático.

Cristina Ricci dá um banho de atuação como uma menina tremendamente interessada em sexo. A história do garoto mais velho, que vai para Nova York à procura de sua iniciação sexual, também é maravilhosa. São cenas que, na mão de um diretor burocrático, poderiam virar clichês, mas Ang Lee sabe o que faz. Ele procura criar um painel, ao mesmo tempo realista e emocionante, de uma grande crise comportamental, de um momento de ruptura, quando a sociedade americana queria abandonar um modo de viver "careta" e "reacionário" do pós-segunda-guerra para ingressar no mundo mais alegre e livre que a década de 60 prometeu. O problema é superar padrões solidamente edificados sem derrubar o edifício inteiro.

Não gosto do final. A morte acidental (não vou dizer de quem, em respeito aos leitores que não viram "Tempestade de gelo"), apesar de ser inerente à vida - e, portanto, defensável como narrativa - não é uma boa solução dramática para o filme. Imagino que, no romance, ela tenha sido cuidadosamente preparada, mas, como roteiro, não se sustenta. É claro que Ang Lee precisava terminar o filme com um gosto amargo, dando ao espectador a noção de que as coisas são mesmo complicadas e que a instituição familiar continua sendo importantíssima para qualquer ser humano.

Contudo, a relação pais-filhos alcança um caráter transcendental no momento da morte e, inevitavelmente, fica maior que todo o resto. "Tempestade de gelo" poderia ter abdicado dessa pequena "sacanagem" e acreditado um pouco mais na inteligência do público.

EM TEMPO: Com essa coluna (e as respostas às cartas na sexta que vem), estou me despedindo temporariamente da coluna semanal de "Opinião" aqui do ZAZ. Nos próximos dois meses (junho e julho) estarei envolvido na produção de um filme chamado "Tolerância", do qual vocês logo terão mais notícias. Pretendo voltar em agosto. Grande abraço para todos, Gerbase.


Tempestade de Gelo
(EUA, 1999). De Ang Lee.

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Carlos Gerbase é jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor. Já escreveu duas novelas para o ZAZ (A gente ainda nem começou e "Fausto") e atualmente prepara o seu terceiro longa-metragem para cinema, chamado "Tolerância".

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