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VIDAS EM JOGO
RAPIDINHO
Sean Penn faz, pela
milionésima vez, o papel de um rebelde desmiolado e sem causa, com um
nome charmoso: Conrad. Michael Douglas faz, pela bilionésima vez, o papel
de um milionário poderoso, durão, com um nome idiota: Nicholas van Orton.
Eu faço, pela trilionésima vez, o papel de bobo ao ver um filme que não
tem absolutamente nada a dizer e tenta disfarçar este fato com montanhas
de cenas de ação, efeitos especiais e roteiro "esperto". Tudo bem, se
o disfarce fosse bem feito e me enganasse do começo ao fim da grande bobagem.
Mas não é o caso. "Vidas em jogo" é uma aula de mau uso de recursos cinematográficos,
pois todos sabemos que Sean Penn e Michael Douglas são bons atores e que
Hollywood é capaz de produzir quantos efeitos quiser. O filme começa e
termina do mesmo jeito: pedindo ao espectador que se deslumbre com a aparência
e esqueça a história, pois ela, além de inverossímil, é de uma fragilidade
dramática constrangedora. Definitivamente, esta não é uma boa maneira
de fazer cinema.
AGORA COM MAIS CALMA
Quando vi "Truman show",
tive grande dificuldade para aceitar a idéia principal: um ser humano,
sem saber de nada, é manipulado, desde o seu nascimento, por uma grande
emissora de TV, que o transforma em espetáculo para as massas e num penduricalho
de comerciais. Mesmo que isso seja uma metáfora (e é: basta ver a estética
americanóide-publicitária do filme), a idéia não se sustenta por mais
de quinze minutos, o que leva o filme para o terreno tedioso da crítica
social sem história. Mas, revisando agora o roteiro de "Truman show",
à luz do roteiro de "Vidas em jogo", dá pra dizer que o filme de Peter
Weir é uma obra-prima de realismo, um prodígio de verossimilhança, uma
escola de cinema dramático.
A idéia principal de "Vidas em jogo" é a mesma de "Truman show", com uma
diferençazinha: Michael Douglas sabe, desde o início, que sua vida está
sendo manipulada. Pior: ele mesmo contrata a empresa para fazer o serviço.
É como se Truman conscientemente encomendasse à emissora o seu show e
depois se arrependesse, sem conseguir cancelar seu estrelato. Em "Vidas
em jogo", o vilão é uma empresa de "jogos" - "Serviço de Recreação ao
Consumidor" -, especializada em transformar vidas americanas tediosas
em vidas de personagens de filmes americanos ruins. Convenhamos - é mesmo
um inferno! Imagine que, de uma hora para a outra, você tem que enfrentar
montes de diálogos insípidos, personagens absurdos, perseguições de carro
intermináveis e dezenas de "stunts" se metendo na sua frente bem na hora
em que a coisa vai mesmo esquentar.
Você gosta disso tudo? Mesmo que a história seja tão genial quanto um
vídeo-game de má qualidade? Então "Vidas em jogo" é um bom programa. E
fique até o fim, ou você vai perder o melhor de tudo. Michael Douglas,
depois de ser quase assassinado várias vezes, depois de ter suas contas
bancárias na Suíça esvaziadas, depois de ver sua casa grafitada e destruída,
depois de matar seu irmão involuntariamente e ser induzido ao suicídio,
aterriza numa festa maravilhosa, promovida pela empresa de "jogos" e descobre
que o seu irmão fez tudo isso porque ele, Michael Douglas, "estava se
tranformando num idiota".
Contei o final do filme? É uma coisa idiota de se fazer? Pois bem, assumo!
É o mínimo que posso fazer para me vingar dessa palhaçada que me custou
oito reais e a sensação de ter estragado uma bela noite de sexta-feira.
A maior supresa de "Vidas em jogo" é saber que seu diretor, David Fincher,
é o mesmo do convincente "Seven", um filme de clima sombrio, imagens fortes
e um final maravilhosamente pessimista.
O que houve, Fincher? Desconfio que a raiz do problema está na escolha
dos roteiristas John Brancato e Michael Ferris, os mesmos de "A Rede",
também uma história de conspiração sem muita inspiração. Tá na hora de
voltar pro Andrew Kevin Walker (roteirista de "Seven"), que ninguém sabe
quem é, que provavelmente não ganhou um décimo do que ganharam Brad Pitt,
Sean Penn ou Michael Douglas para atuar, mas que sabe escrever um roteiro.
Definitivamente, esta é a única maneira de fazer bom cinema.
Vida
em Jogo (EUA, 1997). De David Fincher.
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Carlos
Gerbase é
jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor.
Já escreveu duas novelas para o ZAZ (A
gente ainda nem começou e "Fausto") e atualmente
prepara o seu terceiro longa-metragem para cinema, chamado "Tolerância".
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