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Louise (Take 2)
Os méritos do diretor Siegfried são claros: personagens e cenários estão organicamente ligados, e a narrativa tem a redundância necessária para expressar vidas que são dramáticas, mas numa perspectiva muito diferente da que os filmes hollywoodianos costumam utilizar. Em Louise – Take 2, o espectador não é alguém a ser conquistado pela história, e sim um visitante temporário de uma realidade ainda simbólica, mas que pretende sustentar-se sem grandes malabarismos de roteiro. Siegfried parece ser um Eric Rohmer vanguardista, disposto a construir um discurso mais acelerado do cotidiano sem perder o carinho pelos detalhes aparentemente insignificantes da vida.
O maior mérito de Siegfried é evitar que espectador lance um olhar piedoso sobre os personagens. Eles são apresentados como jovens bem dispostos, cheios de vida, quase sempre alegres. As drogas existem, mas não são o centro de suas vidas. Os crimes acontecem, mas eles parecem mais brincadeiras de crianças. Louise, vivida com extraordinária verossimilhança pela atriz Elodie Bouchez, é uma criatura cheia de amor para dar. Tem tanto que é capaz de atender ao pedido de um mendigo do metrô, que deseja ver seu filho. Ela acha o filho, mas prefere não apresentá-lo ao pai, bêbado e ensandecido. A criança passa a ser um "filho", adotado por ela e por todo o bando. Numa primeira leitura, poderíamos encontrar em Louise – Take 2 uma espécie de denúncia da destruição do núcleo familiar e da noção de "lar". O pai de Louise é carinhoso, mas está num mundo de faz-de-conta. A criança adotada tem um pai mendigo. E o grupo de amigos, com toda certeza, não almoça aos domingos com as respectivas famílias. Mas Louise define o seu mundo como uma espécie de formigueiro, em que há atividade incessante, amigos que devem ser amados e inimigos que devem ser evitados. E formigas não pensam em seu cotidiano, simplesmente vivem. Assim, Louise – Take 2 escapa com folga da simplificação "coitadinhos, eles são crianças abandonadas" para uma reflexão mais profunda e mais séria. Louise, no momento em que percebe, minimamente, o fascismo do namorado idiota e o que está fazendo com sua vida, decide libertar-se, passando primeiro por um estágio mais profundo de marginalidade, sem procurar o pai nem os amigos de sempre, enfrentando os olhos enlouquecidos do mendigo, encarando, pela primeira vez, sua própria existência sobre a Terra. Isso dói. Louise está abandonando a segurança de uma vida sem sentido, em que as escolhas são sempre fáceis, por uma esperança de felicidade, na figura de um novo amor e, quem sabe, de uma nova relação com o mundo. Filme amargo e corajoso, Louise – Take 2 tem apenas um defeito grave: a câmara excessivamente móvel, que, se usada com mais parcimônia, continuaria dando ao filme a aura de urgência pretendida, sem causar a vertigem cansativa e o desconforto, efeitos colaterais inevitáveis. Faltou a Siegfried a compreensão de que a velocidade, se é característica fundamental de nossos tempos (e deve estar presente na narrativa), também é, muitas vezes, fator de empobrecimento da dramaticidade. O que faria Eric Rohmer se refilmasse Louise – Take 2? Louise (Take 2) (França, 1998). De Siegfried
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