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MATRIX
RAPIDINHO
"Matrix" é um mix de
gêneros. Há uma história clássica de ficção-científica (mundos alternativos;
realidades superpostas), meio perdida numa overdose de ação e violência,
com direito a várias exibições de artes marciais, tudo isso temperado
com a melhor tecnologia de imagem e som que o cinema contemporâneo pode
oferecer.
O resultado de todo esse virtuosismo é interessante e tem público certo:
os milhões de adolescentes que freqüentam os shoppings atrás de emoções
fortes. E eles não saem decepcionados. Pelo contrário: "Matrix" cumpre
todas as expectativas com muita competência, colocando no chinelo todos
seus similares dos últimos anos (inclusive o fraquíssimo "Johnny Mnemonic",
com o mesmo Keanu Reeves).
"Matrix" fará grandes bilheterias, alimentará dezenas de programas de
TV sobre efeitos especiais, contribuirá generosamente para a conta bancária
de seus produtores e distribuidores e, daqui a dois ou três anos, estará
esquecido. Como toda obra em que o virtuosismo da execução está acima
da partitura, falta a "Matrix" a transcendência dos clássicos como "2001",
ou a verdadeira ousadia estética de "Blade Runner". Mas não dá pra negar
que, longe de ser eterno, "Matrix" é quase infinito enquanto dura.
AGORA COM MAIS CALMA
Apesar de não ser muito
original, o argumento de "Matrix" é sólido o suficiente para atrair apreciadores
de ficção-científica: o mundo em que vivemos (ou em que pensamos viver)
em 1999 é uma gigantesca ilusão, criada por seres mecânicos de inteligência
artificial que escravizaram a humanidade e, duzentos anos depois, a utilizam
como fonte biológica de energia (já que o sol não penetra mais na atmosfera
do planeta).
A origem dessa distopia, num bom romance ou filme de FC, seria bem explicada
e explorada dramaticamente. Mas "Matrix" não tem tempo para muitas explicações,
de modo que, entre centenas de efeitos especiais, uns poucos diálogos
tentam nos fornecer as informações básicas para entender a trama. Eu não
entendi algumas coisas.
Alguém aí pode me dizer:
1) qual é a origem de Morpheus?; como ele conseguiu escapar da ilusão
criada pela Matrix?; como ele construiu aquela nave?
2) o que é, exatamente, o sistema Zion?; ele é um remanescente da era
pré-máquinas?; onde está instalado?
3) por que os agentes da Matrix não podem interferir mais facilmente na
falsa realidade, em vez de perder tanto tempo e energia lutando kung-fu
contra os rebeldes?
4) por que, de repente, um beijo de uma princesa (quem nem é "encantada")
pode ressuscitar nosso herói?
Eu trocaria um ou dois clips de ultra-violência de "Matrix" por algumas
respostas a estas perguntas. Além de tornar a história mais emocionante,
as respostas também ajudariam a compreender melhor a matriz de toda a
pancadaria que está na tela, numa coreografia tão perfeita quanto vazia.
Numa entrevista recente, George Lucas criticou esse culto à violência.
Não citou "Matrix" nominalmente, mas a intenção era clara: enquanto seu
"Guerra nas estrelas" é um bang-bang clássico, mas politicamente correto,
que discute o "lado negro" e o "lado luminoso" da força, "Matrix" é uma
injeção de adrenalina pura na veia, em que o importante é achar um "predestinado"
capaz de ser mais rápido e mais forte que os agentes protetores da Matrix.
Para matá-los com as próprias mãos, é claro. Além disso, os heróis de
"Matrix" usam elegantérrimas capas pretas.
Considerando erros e acertos, no final das contas o saldo de "Matrix"
é positivo. A história não está bem narrada, mas tem um pressuposto legal
e algumas sacadas interessantes, como a traição de um dos comandados de
Morpheus, motivada pela sua sede de ilusão (a realidade é dura demais
para ele).
Já a discussão sobre livre-arbítrio, baseada na cena com o "Oráculo",
é tão confusa que não funciona direito. "Matrix" ainda tem bons atores
- como o próprio Reeves, Laurence Fishburne e a maravilhosa Carrie-Anne
Moss -, uma trilha musical matadora, fotografia de primeira, montagem
competente e uma direção alucinada dos irmãos Wachowski, que, pouco a
pouco, demonstram seu talento como roteiristas e diretores ("Bound" já
era um filme muito interessante).
Se não tivesse um só efeito especial, "Matrix" ainda seria um filme legal.
Com sua bateria inesgotável de ilusões industriais, consegue um impacto
visual e sonoro como poucas vezes o cinema conseguiu produzir e funciona
como uma droga poderosa, que nos afasta de realidade com a mesma eficiência
da Matrix ficcional que retrata. Mas faltou um pouco mais de preocupação
com a história para se tornar um clássico.
Matrix
(EUA, 1999). De Andy e Larry Wachowski.
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Carlos
Gerbase é
jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor.
Já escreveu duas novelas para o ZAZ (A
gente ainda nem começou e "Fausto") e atualmente
prepara o seu terceiro longa-metragem para cinema, chamado "Tolerância".
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