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Cartas do Reichenbomber (Opus 1)


Para Eduardo Aguilar, Jordana Brewster, Daniel Chaia e O Crítico (do Chat Cult - sala Cinema, do Zaz)

Acabo de assistir ao mais recente Dogma, Mifune, de Soren Kragh-Jacobsen, ainda sob o efeito do debate do dia 14 de julho no Espaço Unibanco, "Dogma 95: uma estratégia?", que ocorreu durante a Semana do Cinema: Brasil e Independentes. As tais dez regrinhas marotas são subvertidas neste filme: tem música, letreiro e alguns interiores foram muito bem iluminados. Não importa. Como nos demais o que impressiona é a força da sua dramaturgia, o rigor na direção de atores, o ritmo nervoso da edição, e sobretudo a qualidade na captação do som direto. Esse voto de castidade não prescinde do Dolby Stereo Digital.

O roteiro é extremamente bem construído e há esse apelo desesperado pelo entendimento que é a tônica cristã (à Kierkegaard) que justifica o "nick" - ops, a chancela quase pejorativa de Dogma.


Aqui entre nós, tanto Festa de Família quanto Mifune parecem obras conservadoras na comparação com Os Idiotas. Lars Von Trier fez um filme incômodo e provocador. Por várias vezes ameacei abandonar a sala de projeção diante deste petardo. Aquele encontro dos porraloucas com as vítimas da Síndrome de Down é ofensivo, mas há um tamanho desespero na encenação que obriga qualquer espectador menos suscetível a permanecer alerta e de marcação na tela.

Os Idiotas tem a mesma empáfia subversora de Saló, de Pier-Paolo Pasolini, Sweet Movie, do iugoslavo Dusan Makavejev (que ganhou uma retrospectiva na 22ª Mostra Internacional de Cinema), e Crash - Estranhos Prazeres, de David Cronenberg. Aliás, a "família" de Os Idiotas lembra e muito a comunidade anarco-pansexualista do famigerado cineasta austríaco Otto Mürrer - quando será que o Leon Cakoff vai trazer a tão prometida retrospectiva desse maluco? - onde a Miss Canadá vai parar em Sweet Movie.

Por sinal, ainda não apareceu no cinema (nem mesmo em Os Idiotas) um plano tão terrível e sublime quanto a da Miss Canadá esfregando o pênis de um desconhecido no seu rosto angelical, num gesto extremo de absoluta fragilização diante da liberdade tentada na prática. Se Dusan Makavejev não deixa nenhuma sombra de dúvida à respeito de seu ideário libertário, Lars Von Trier blefa o tempo inteiro.

Em Os Idiotas, ao transformar gradativamente o personagem central num líder esquizofrênico e autoritário, parece por em xeque a possibilidade da utopia. Ao concluir a seqüência terminal da suruba numa atmosfera de tédio e dispersão parece assumir o mais reacionário dos discursos. E é a perplexidade que nos faz permanecer sentados na poltrona. Os dez minutos finais mostram definitivamente a que veio o Dogma. E a exuberância da insolência opera o milagre da arte ligada à vida. O fascismo do núcleo familiar solidificado no egoísmo e na normalidade implode no ímpeto conservador. Os Idiotas impregna a consciência e os sentidos. Mifune e Festa de Família, embora menores, atestam a energia de um movimento que se impõe por recuperar valores primordiais da arte fílmica: o aperfeiçoamento de quem os assiste.




Mudando de assunto, não deixem de ler OLNEY SÃO PAULO, A PELEJA DO CINEMA SERTANEJO, de Ângela José, da Quartet Editora, que está nas melhores livrarias. Trata-se do melhor livro de cinema lançado recentemente. Ângela faz, através da vida e da obra de Olney São Paulo, um inventário de uma geração. Olney foi o cara que foi preso no final dos anos 60 por ter realizado o média metragem Manhã Cinzenta, sobre os movimentos estudantis da época, e sobretudo pelo boato de que o filme teria sido exibido no Caravelle da Cruzeiro Do Sul seqüestrado e desviado para Cuba por ativistas de esquerda.

Mais que a verdadeira história de sua prisão, Ângela José investiga a vida e a personalidade daquele que Gláuber Rocha chamava de Martyr. Ao esmiuçar cada detalhe da paixão de Olney pelo cinema e pela identidade brasileira, a autora faz a radiografia da geração que acreditava poder mudar o país com sua arte e linguagem. Uma prospecção calorosa da atmosfera dos anos de chumbo. Um livro que tanto eu quanto alguns amigos lemos de um só fôlego, e que aguça o desejo urgente de rever Grito da Terra, o melhor filme de Olney.

Conspirando sempre, abraços do amigo

CARLOS REICHENBACH

P.S. - Jordana, este filme sem vergonha que você fez com o Roberto Rodriguez (Prova Final), e que vale unicamente por teu fascínio "bárbaro e nosso", faz ou não faz a apologia descarada da cocaína???

Carlos Reichenbach, 54, é cineasta, roteirista, diretor de fotografia e crítico, além de rebelde renitente e utopista assumido nas horas vagas. Suas principais vítimas e afetos serão revelados nesta coluna. Atrás das câmeras desde 1966, Reichenbach está lançando seu 12º longa, Dois Córregos.

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