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Revelação
De
Robert Zemeckis






RAPIDINHO
Tinha quase tudo pra dar errado: uma história de fantasmas tradicional (alma atormentada querendo encontrar a paz), uma atriz de limitados dotes dramáticos (Michelle Pfeiffer, recentemente vista no abominável A história de nós dois) e um galã envelhecido (Harrison Ford, que tem estrelado obras igualmente abomináveis, como Destinos cruzados). A proposta era ousada: fazer um filme de suspense clássico, adulto, com nuances hitchcockianas, fugindo aos excessos adolescentes da moda.

Má história, elenco aparentemente inadequado e muita pretensão. Que medo! Mas... Mesmo no super industrializado cinema americano, ainda há uma variável chamada "diretor". Zemeckis é o nome dele. Esse sabe filmar. Esse sabe dirigir atores. Esse sabe movimentar a câmara e fugir do óbvio. Revelação está longe de ser obra-prima (como é o seu Robert Rabbit), mas é diversão garantida para quem gosta de sentir um friozinho na espinha. Talvez não chegue aos pés de Hitchcock, mas, depois de O cabo do medo, de Scorcese, é a melhor tentativa dos últimos anos.

AGORA COM MAIS CALMA
Vamos convir que, num filme desse tipo, acreditar ou não em fantasmas é o que menos conta. O que interessa é como os personagens se relacionam com o desconhecido, como os atores conseguem interpretar seu medo de modo convincente, como o diretor mostra, apenas na hora certa, o que todos sabem que vão ver, cedo ou tarde. Nesse sentido, Zemeckis segue à risca o ensinamento de Hitchcock: mais importante que mostrar a bomba explodindo, é mostrar um pacote fazendo tic-tac em baixo da mesa. Revelação começa tranqüilo, em ritmo intimista, quase sem música, e o suspense cresce aos poucos. Com um roteiro quase óbvio à sua frente, Zemeckis sabia que o sucesso do filme dependia muito de Michelle Pfeiffer (presente em quase todas as cenas, ao contrário de Ford) e da maneira de conduzir sua câmara.

Pfeiffer surpreende. Contida, quase sempre suave, mas alternando momentos bem-humorados e de grande tensão, alcança um ótimo nível de interpretação. Cem pontos para Zemeckis. Ford surpreende também. Mas não por sua atuação, que tem o velho (e já repetitivo) padrão Ford de qualidade, e sim pela virada interessante que o roteiro lhe oferece. Duzentos pontos para Zemeckis, que usou a imagem de "bom moço" do seu galã para sustentar a história. Contudo, nada disso valeria um ponto sequer se o espectador não visse apenas o que interessa, no momento mais adequado e com todo o suspense que um bom travelling pode criar. Mil pontos para Zemeckis.

As cenas no banheiro são as melhores. Aquela fumaça, aquela banheira cheia, aquela lenta aproximação da câmara, signos repetidos várias vezes, conseguem estabelecer uma tensão digna do mestre Hitchcock, que, é bom lembrar, também sabia tirar o máximo de elencos limitados. O quase afogamento de Pfeiffer na banheira tem uma narrativa clássica e perfeita, que, até por usar um ritmo completamente diferente, pode ser comparada, em termos de virtuosismo estético, à famosa cena do banho de Psicose. É claro que estamos no ano 2000 e é claro que todos os espectadores sabem que Pfeiffer não vai morrer (ao contrário da pobre Janet Leight), mas, que diabos, aquela água subindo funciona maravilhosamente bem.

Tenho apenas uma restrição ao roteiro, que, num filme assim, não precisa ser muito original, mas tem compromisso muito forte com a lógica da história. O acidente de carro de Pfeiffer (ocorrido um ano antes dos acontecimentos do filme) está mal contado. Não sabemos bem o que o acidente tem a ver com o resto da trama, e, quando a explicação aparece, fica evidente que ele só existiu para afastar Pfeiffer de sua casa num momento decisivo da vida de Ford, e ainda provocar uma providencial amnésia na personagem principal. Dez pontos a menos para os roteiristas, mas nada que obscureça seus méritos. Os demais meandros da trama, depois das cenas finais, ficam cristalinos.

Revelação é um filme tradicional, até certo ponto previsível e não faz a mínima questão de inventar. Mas Zemeckis tem a estrutura narrativa na mão, é detalhista e obtém uma unidade fortíssima de todos os elementos dramáticos que joga na tela. Os adolescentes provavelmente vão achar o filme lento demais e chato, mas estes devem continuar delirando com os Pânicos da vida. Quando crescerem (e isso acontece, inevitavelmente) eles descobrirão que existe um sujeito chamado Zemeckis e existiu um sujeito chamado Hitchcock, que sabem fazer um suspense mais adulto. Quer brincadeira melhor do que essa?

Revelação (EUA, 2000). De Robert Zemeckis


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Carlos Gerbase
é jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor. Já escreveu duas novelas para a Terra Networks (A gente ainda nem começou e "Fausto"). Atualmente finaliza seu terceiro longa-metragem, Tolerância, com Maitê Proença e Roberto Bomtempo.

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